A Atualidade do
Pensamento Gandhiano
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N�o se pode acreditar no emprego da viol�ncia, e no entanto escapar �s suas conseq��ncias.
Assim, o dia 11 de setembro deve ser visto como a data em que o desafio fundamental que a
viol�ncia imp�e � nossa sobreviv�ncia chegou � humanidade inteira. Se queremos nos salvar,
teremos de rejeitar esse estado de coisas e aderir a meios n�o-violentos. A hist�ria j� provou a
futilidade da viol�ncia.
A crise atual provou tamb�m que ela � suicida. Chegou, portanto, o tempo de procurar meios n�o-
violentos de resolver conflitos e proteger a n�s mesmos. Os anos que se seguiram � Segunda
Guerra Mundial presenciaram confrontos armados graves e impiedosos em muitas partes do mundo:
Oriente M�dio, �frica, Am�rica Latina, Europa e algumas partes da �sia.
Mas devemos falar um pouco tamb�m sobre o outro lado da moeda. O s�culo que passou n�o viu
apenas transforma��es na natureza da guerra, com a escalada da destrui��o e sociedades inteiras
mergulhadas nas conseq��ncias desastrosas dos conflitos armados. Viu tamb�m uma crescente
desilus�o com a guerra como meio de resolu��o de conflitos. Viu o uso em larga escala de lutas
n�o-violentas, das quais grandes massas de seres humanos comuns participaram, numa escala sem
precedentes. Elas foram testemunhas do que se pode conseguir por meios n�o-violentos, quando
as massas v�o � luta com firme determina��o, coragem e disposi��o para enfrentar as
conseq��ncias da resist�ncia incruenta.
Nas d�cadas que antecederam o in�cio da Primeira Guerra Mundial, Gandhi inspirou o mundo com
seu g�nio para organizar e liderar lutas n�o-violentas. Mostrou o que mesmo massas de
analfabetos podiam fazer, se decidissem buscar ou mobilizar seus pr�prios poderes.
As d�cadas ap�s a Segunda Guerra Mundial - e tamb�m a segunda metade do s�culo 20 -
testemunharam muito mais lutas n�o-violentas, em quase todos os continentes do mundo. As
campanhas por direitos civis e contra a discrimina��o racial na �frica; nos Estados Unidos, os
movimentos contra a guerra do Vietn�; os protestos contra testes at�micos e a implanta��o de
instala��es nucleares militares em muitas partes do mundo; a luta popular que derrubou o
presidente Marcos, nas Filipinas; os grandes movimentos n�o-violentos do povo da Litu�nia,
Let�nia, Est�nia, Pol�nia, Checoslov�quia e pa�ses do Centro e Leste Europeu; a queda do muro de
Berlim e a reunifica��o da Alemanha; a desintegra��o da Uni�o Sovi�tica e a emerg�ncia de 15
Estados independentes do Imp�rio Russo; os movimentos populares contra a tentativa de golpe na
R�ssia p�s-sovi�tica; a recente e espetacular a��o das massas que invadiram as ruas de Belgrado,
tomaram o poder e depuseram Milosevic. Todas essas s�o eloq�entes demonstra��es do que o
povo pode fazer por meio da a��o n�o-violenta.
Na verdade, � muito dif�cil resistir � tenta��o de descrever esses esfor�os revolucion�rios, que
dependeram de meios n�o-violentos e tiveram �xito sobre tiranias e ditaduras. Entretanto, pela
escassez do tempo, teremos que nos contentar em destacar que eles parecem ter oferecido uma
alternativa vi�vel e bem-sucedida a golpes e tentativas cruentas de derrubar os detentores do
poder.
As implica��es da l�gica (ou da aus�ncia de l�gica) da viol�ncia est�o come�ando a despertar na
mente humana. Se n�o abominarmos a guerra, n�o poderemos escapar �s conseq��ncias do
terrorismo; ou �s da corrida armamentista; ou �s da teoria do desencorajamento (a pol�tica deve
ter armas mais para desencorajar o inimigo do que para us�-las); ou � destrui��o total que as
armas nucleares ou biol�gicas podem causar.
Enquanto os governos adiam o desarmamento e a ren�ncia total �s armas de destrui��o em massa,
os povos de todo o mundo t�m-se tornado cada vez mais articulados e ativos, em rela��o �
necessidade de uma vida sem guerras e sem armas nucleares. Parece haver, portanto, uma lacuna
entre os povos e os governos, no que diz respeito ao compromisso com os requisitos da paz.
A quem os governos protegem e servem, com sua relut�ncia a renunciar a algo que com certeza
trar� indescrit�veis sofrimentos a pessoas inocentes, e causar� destrui��o indiscriminada? Protegem
pa�ses, Estados, ou ind�strias b�licas, expondo seu povo e territ�rios � perspectiva de aniquila��o?
O que podem as organiza��es e movimentos populares fazer para proteger a humanidade e os
ecossistemas das conseq��ncias dessa fal�cia de governos e entidades n�o comprometidos com o
povo?
H� um desgosto cada vez maior pela futilidade, alto custo e natureza suicida da viol�ncia aberta
em situa��es de conflito. H� tamb�m uma crescente consci�ncia de que n�o se pode eliminar a
viol�ncia ignorando as culturas de vingan�a e trucul�ncia que criamos e mantemos em nosso
sistema. Fechamos os olhos para suas sementes ou causas, mas sabemos que estas fazem parte
do sistema que ajudamos a manter com nosso apoio, aquiesc�ncia ou omiss�o.
Nega-se voz aos fracos e pobres. Eles s�o marginalizados. Os canais que d�o apoio a seus
sistemas de vida s�o fechados. Essas pessoas s�o desenraizadas, exiladas do ambiente que as
sustenta, como no caso daquelas que s�o chamadas de tribos e expostas ao perigo de morte lenta
e extin��o como grupos distintos.
As elites desenvolveram uma mentalidade e filosofia que justificam a marginaliza��o dos pobres.
Criou-se e mant�m-se um sistema social, econ�mico e industrial no qual eles n�o encontram
trabalho, mesmo quando o procuram. Assim, precisam percorrer as ruas � procura de ocupa��es
que possam gerar dinheiro para alimentar, vestir e abrigar suas fam�lias. Os pobres s�o invis�veis
para a elite e os opulentos. Mas j� mostraram - e ainda mostrar�o - que n�o podem ser ignorados
sem puni��o. Eles podem surgir diante dos ricos e seus representantes: do lado de fora das portas
da OMC, do Banco Mundial, do FMI - como em Seattle -, em Genebra ou Amsterd�.
Quem pode negar que o atual sistema industrial e econ�mico � respons�vel pelo crescente
desemprego, pelo fantasma da pobreza e priva��o, e pelas disparidades dentro dos Estados e
entre estes? O sistema atual - que fala de igualdade, mas consagra e promove desigualdades e
disparidades - baseia-se na filosofia da competi��o, da propriedade privada e da heran�a, e na
sacrossanta motiva��o do lucro.
O direito � heran�a est� entre os muitos fatores que minam o discurso da competi��o perfeita e
das vantagens sociais dela decorrentes.
A propriedade privada e o direito � heran�a baseiam-se no consentimento social. De um lado vemos
pobreza, desigualdade, crescente disparidade e total priva��o.
Do outro, temos um discurso sobre as virtudes da livre competi��o. Tudo isso pode desencadear
uma revis�o dos conceitos de propriedade. As pessoas podem come�ar a se perguntar por que
deveriam haver direitos absolutos � propriedade, quando se fala de acesso igual aos recursos.
Podem tamb�m argumentar que muitos dos recursos criados pelo homem resultam da coopera��o,
e por isso sua utiliza��o deve constituir uma heran�a de toda a humanidade.
O s�culo atual poder�, portanto, ver muita reflex�o social sobre os limites dos t�tulos exclusivos �
propriedade e � heran�a. Novos conceitos de propriedade poder�o ser considerados, incluindo a
cooperativa e a propriedade com prazo determinado de utiliza��o para o interesse p�blico. E os
conceitos gandhianos de fiel deposit�rio e simplicidade volunt�ria poder�o ganhar adeptos e alguma
aceita��o.
A quest�o da limita��o volunt�ria do consumo tamb�m est� ligada a estilos de vida sustent�veis. A
conten��o volunt�ria da gan�ncia e do consumismo pode ser necess�ria, se quisermos evitar
controles externos autorit�rios. Ao mesmo tempo, preservaremos e fortaleceremos os la�os de
coes�o social e o conceito de eq�idade.
Um outro grupo de seres humanos, sujeito � discrimina��o, desigualdade e crueldade em nossos
sistemas sociais, compreende a metade ou quase a metade da
humanidade. Refiro-me �s mulheres. O que dizer sobre senso de justi�a ou direitos humanos, numa
sociedade em que metade das pessoas � reprimida e explorada pela outra, por causa do sexo com
o qual nasceram?
As mulheres t�m sido tratadas como seres de segunda classe, postas quase � margem da esp�cie
humana, sujeitadas a v�rias modalidades, formas e graus de escravid�o. Pior ainda: a nega��o
implac�vel da igualdade b�sica � muitas vezes justificada pela invoca��o de disposi��es divinas, ou
no��es imagin�rias de superioridade biol�gica.
As pr�prias mulheres exploradas e escravizadas sofrem lavagem cerebral desde o ber�o. Tal
situa��o leva-as a acreditar no que os homens descrevem como "inferioridade inerente", e na
"necessidade" da� decorrente da depend�ncia masculina.
Como resultado de muitas lutas, vem tornando-se clara a impropriedade e a insustentabilidade dos
argumentos "legitimadores" da domina��o masculina. Mulheres que ao se verem sozinhas,
mostraram que s�o t�o competentes e diligentes quanto os homens em todos os campos.
Gandhi salientava que a glorifica��o da for�a f�sica, e a tend�ncia masculina de enxergar as
mulheres como objetos de desejo e posse, eram duas das causas fundamentais do mito da
inferioridade, disseminado pelos sistemas constru�dos para obter e perpetuar a domina��o
masculina.
O mundo de hoje est� mais apto a perceber a falta de l�gica das id�ias de desigualdade. Mas isso
ainda n�o conduziu a uma redu��o apreci�vel da explora��o,
abuso e quase escravid�o das mulheres. Muitos ainda n�o perceberam as enormes mudan�as que
se seguir�o � ascens�o delas � merecida igualdade.
Com a plena igualdade, as mulheres podem n�o querer mais afirmar-se imitando os homens e seus
modos e estilos. N�o ter�o rea��es masculinas �s situa��es sociais, nem seguir�o teorias
masculinas sobre como resolver problemas.
Nem sempre se percebe que as pessoas do sexo feminino t�m um modo e estilo pr�prios; que elas
muitas vezes representam o lado doce, maduro e criativo do ser humano. Seu estilo e rea��es
podem, portanto, contribuir para termos mais cura do que agress�o; mais altru�smo que lealdade ao
individualismo e egocentrismo; mais reconcilia��o e s�ntese do que desentendimentos at� o amargo
fim.
� certo que neste s�culo a igualdade dos sexos trar� grandes diferen�as, bem como uma
ascend�ncia relativa dos m�todos de reconcilia��o e coopera��o sobre as atitudes de confronto e
combate. Contudo, como muitos j� disseram, a luta pela igualdade dos g�neros n�o pode ser
travada com armas e viol�ncia. Meios n�o-violentos ter�o de ser empregados, para a produ��o de
uma mudan�a revolucion�ria na mentalidade de homens e institui��es, e em pr�ticas que t�m suas
ra�zes nas id�ias insustent�veis de superioridade masculina.

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