Psicologia para Ativistas da Paz
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� medida que Du Bois progredia no desenvolvimento de sua consci�ncia hist�rica mundial,
foi for�ado a deixar a organiza��o que havia fundado 25 anos antes, a Associa��o Nacional
para a Promo��o de Pessoas de Cor:

Logo que cheguei a essa conclus�o [a necessidade do socialismo] vi que havia perdido o
contato com minha organiza��o e que a decis�o de deix�-la era apenas uma quest�o de
tempo.

Du Bois ilustra uma verdade central que pode ser bastante dolorosa na pr�tica: que o
desenvolvimento da consci�ncia, a fim de evitar o sectarismo, muitas vezes requer que se
deixe uma organiza��o com perspectivas estreitas para buscar novas filia��es que
ofere�am uma vis�o mais ampla.

Eugene Victor Debs progrediu de um patamar de a��o a outro de forma bastante
semelhante, ampliando sua perspectiva at� abra�ar o mundo todo. Debs come�ou com uma
vis�o estreita e sect�ria de federa��es de trabalhadores, primeiramente apenas de
maquinistas, depois de todos os ferrovi�rios, depois toda a classe trabalhadora, e
finalmente chegando ao compromisso pol�tico com o socialismo como sistema de paz e
justi�a para todos os povos do mundo. Assim como Du Bois n�o desenvolveu essa an�lise
no isolamento, mas no di�logo com o Partido Comunista, tamb�m Debs desenvolveu sua
an�lise na filia��o com o Partido Socialista daquela �poca.

Para Sandy Pollack a vis�o desenvolveu-se numa visita a Cuba:

Talvez mais do que qualquer outro fato isolado, aquela visita a Cuba em novembro de 1969
durante a primeira Venceremos Brigade focalizou o resto de sua vida. (...) Sandy viu que o
socialismo era poss�vel, podia ser bem-sucedido. Ela conseguiu ver, tocar, examinar (...).
Era algo tang�vel, poderia funcionar.

Para ter consci�ncia mundial hist�rica n�o � preciso ser socialista ou comunista, mas �
preciso trabalhar em coopera��o com estes. Deve-se reconhecer neles um poderoso aliado
na atual luta contra a guerra, e reconhecer que eles ajudam a fornecer uma vis�o concreta
para um futuro mundial pac�fico. O anticomunismo � a forma mais destrutiva de sectarismo.
Ele enfraquece a unidade necess�ria para obter for�a e a vis�o necess�ria para se ter
inspira��o. Martin Luther King reconheceu esse fato. Embora ele mesmo n�o fosse
comunista, King reconhecia que Du Bois fora "um radical por toda a vida" e "algumas
pessoas gostariam de ignorar o fato de que ele era um Comunista nos seus �ltimos anos".
King conclui dizendo que "nosso anticomunismo irracional e obsessivo nos levou a terrenos
pantanosos demais para ser conservado como modo de pensamento cient�fico10.

� claro que nem todo ativista chega � consci�ncia hist�rica mundial. Bertrand Russell, por
exemplo, apesar de possuir grande talento intelectual, teve seu desenvolvimento
estancado pela inabilidade de filiar-se, que o impediu de trabalhar com grupos e
desenvolver consci�ncia hist�rica mundial. Quanto mais velho, mas c�nico foi ficando:

A forma como o mundo evoluiu nos �ltimos cinq�enta anos provocou em mim mudan�as
contr�rias �quelas que se sup�em t�picas da velhice. Freq�entemente somos confortados
por homens que n�o duvidam de sua sabedoria no sentido de que a velhice traria
serenidade e uma perspectiva mais ampla, na qual os males aparentes s�o vistos como
meios para se chegar ao bem �ltimo. N�o posso aceitar tal vis�o.

� ir�nico que Bertrand Russell viesse a culpar "o modo como o mundo evoluiu", em vez do
modo como ele mesmo evoluiu, pelo fracasso em chegar a uma "perspectiva mais ampla".
Dorothy Day tampouco chegou � perspectiva hist�rica mundial. Em seu pref�cio a The Long
Loneliness ela se pergunta: "O que � o homem, aonde ele vai, qual � seu destino?" � e
responde: "� um mist�rio. Somos filhos de Deus e � uma coisa terr�vel cair nas m�os do
Deus vivo". Ela conclui que durante sua vida "Sinto que n�o fiz nada direito". Tal conclus�o
� semelhante �quela de Bertrand Russell: "N�o posso fingir que aquilo que fiz no tocante
aos problemas sociais e pol�ticos tenha tido grande import�ncia". Assim, n�o foi poss�vel a
eles pesar a grande import�ncia de seu trabalho, porque lhes faltou a consci�ncia hist�rica
mundial com a qual avaliar essa realiza��o.

A incapacidade de atingir consci�ncia hist�rica mundial por parte de Russell e Day teve
s�rias conseq��ncias hist�ricas. Embora ambos acabassem tendo pap�is progressistas
importantes na oposi��o � Guerra do Vietn�, ambos tiveram pap�is reacion�rios no tocante
� Guerra Fria. O anticomunismo de Bertrand Russell o levou a trabalhar durante v�rios anos
para ag�ncias brit�nicas de propaganda em favor da Guerra Fria, e mesmo advogar
publicamente um ataque nuclear � Uni�o Sovi�tica. Mais tarde, contudo, reverteu sua
posi��o, e o Manifesto Russell-Einstein de 1955 serviu como pano de fundo para o primeiro
passo da coopera��o cient�fica entre Oriente e Ocidente em favor da paz: a Confer�ncia
de Pugwash, de 1957.

Dorothy Day ficou enredada nas abordagens contradit�rias de cat�licos e comunistas.
Embora tenha conquistado a integra��o pessoal em sua pr�pria vida, nunca conseguiu
resolver as contradi��es hist�ricas entre aquelas duas vertentes. Como resultado, teve um
efeito bastante negativo sobre a Guerra Fria, sem mesmo ter tido que assumir uma posi��o
p�blica a respeito. A Associa��o de Sindicalistas Cat�licos, que surgiu de um grupo de
estudos que ela criara no Catholic Worker durante os anos da depress�o, tornou-se uma
organiza��o sect�ria que atacava os comunistas dos sindicatos. Eles foram os grandes
respons�veis por destruir o envolvimento do movimento trabalhista no movimento pacifista
durante os primeiros anos cr�ticos da Guerra Fria. Como relato no livro American Peace
Movements 3 a Associa��o fazia:

(...) tudo para transformar os mais importantes l�deres cat�licos do CIO (...) em
anticomunistas ". O ataque cat�lico aos movimentos sindicais era desempenhado por
espi�es, informantes, infiltrados," "e "c�lulas A��O" do CIO que "juravam manter os
comunistas de fora" das �reas-chave do movimento trabalhista. Quando o CIO retirou seu
apoio sindical organizado, a campanha Wallace n�o teve qualquer chance de vit�ria.

A derrota da campanha Wallace p�s fim � oposi��o popular � Guerra Fria, e tamb�m levou
ao McCartismo, o pior per�odo da hist�ria do pacifismo nos Estados Unidos.

O sectarismo assume v�rias formas, muito embora no mundo atual ele apare�a, em geral,
marcado por algum tipo de anticomunismo. Ao assumir a causa da oposi��o n�o-violenta ao
racismo e �s armas nucleares durante os anos 60 nos Estados Unidos, A. J. Muste
observou que:

N�o somos mais um movimento sect�rio no bom sentido � existindo � parte das decis�es
pol�ticas principais e afetando-as somente de forma distante e indireta. Agora funcionamos
nos movimentos de massa.

Mas Muste aprendeu sobre o sectarismo atrav�s de uma experi�ncia amarga. Durante os
anos 30, quando a maior parte dos pacifistas uniam-se para lutar contra o surgimento do
fascismo, Muste pegou o que mais tarde chamaria de "desvio" ao trabalhar com um
pequeno grupo de Trotskistas radicais que, sob sua lideran�a, vieram a ser conhecidos
como "Musteistas". Depois da Segunda Guerra Mundial, pego na dif�cil situa��o do
anticomunismo, recusou-se a participar da maior tentativa de impedir a Guerra Fria, a
campanha Wallace do Partido Progressista em 1948 � em virtude do que ele via como uma
"pesada influ�ncia comunista". Mais tarde, contudo, durante a Guerra do Vietn�, Muste
superou seu sectarismo e desempenhou um papel importante recusando-se a excluir grupos
de esquerda e acolhendo todas as organiza��es na crescente coaliz�o antiguerra.

A consci�ncia hist�rica mundial re�ne hist�ria e psicologia num todo insepar�vel. Ao
contr�rio da abordagem individualista que considera a liberdade como "liberdade do jugo da
hist�ria", essa abordagem do desenvolvimento da consci�ncia v� como verdadeira liberdade
aquela que chega quando o indiv�duo participa da constru��o da hist�ria que, por sua vez,
o molda. Em outras palavras, a consci�ncia hist�rica mundial � uma "liberdade atrav�s da
hist�ria". Nas palavras de Debs, encontramo-nos ao fazer hist�ria:

Voc� n�o perder� nada, e encontrar� a tudo. N�o s� n�o perder� coisa alguma, mas
encontrar� algo de infinito valor, e esse algo � voc� mesmo. E essa � a necessidade
suprema � encontrar-se � realmente conhecer a si mesmo e seu prop�sito na vida. �
preciso saber que � seu dever elevar-se acima do patamar animal da exist�ncia. � preciso
saber que voc� deve conhecer literatura, ci�ncia e arte. � preciso saber que se est� no
umbral de um grandioso novo mundo.

Ao fim do discurso, o mesmo discurso pelo qual foi julgado e condenado � pris�o por incitar
a n�o-coopera��o com a Primeira Guerra Mundial, Debs conclamava seus ouvintes "a
construir uma nova na��o e uma rep�blica livre. Precisamos construtores industriais e
sociais. N�s, socialistas, somos os construtores de um belo mundo que est� por vir".

A liberdade da consci�ncia hist�rica mundial � tamb�m um fardo, pois � uma qualidade de
lideran�a mais do que uma qualidade individual. O l�der � um respons�vel para todos que
procuram sua lideran�a, algo que pode se tornar uma responsabilidade pesada e dif�cil.
Coretta Scott King descreve o fardo que o Pr�mio Nobel da Paz colocou sobre os ombros
de seu marido:

Qual era o sentido mais profundo de tudo isso � o sentido que ainda n�o �ramos capazes
de apreender? Pois esse n�o era simplesmente um pr�mio de direitos civis, mas pela
contribui��o para a paz mundial. Embora estiv�ssemos felizes, Martin e eu percebemos a
tremenda responsabilidade que isso criava para ele. Era, evidentemente, o maior
reconhecimento que tivera, mas ambos sab�amos que para conseguir o que o pr�mio
realmente implicava, havia ainda uma longa jornada a percorrer. Era um grande tributo, mas
um fardo ainda maior.

A consci�ncia hist�rica mundial corresponde � antiga cren�a religiosa na imortalidade.
Envolvendo sua vida no desenvolvimento da hist�ria, o ativista da paz e da justi�a se torna
parte integral de uma tradi��o humana imortal. Em seu tributo a Sandy Pollack o
embaixador cubano nos Estados Unidos, H. E. Oscar Orama, expressou isso de forma
po�tica:

Sandy, voc� � o amanh�.
Voc� � o hoje.
Voc� chegou ao cume da esp�cie humana
e viver� para sempre



Cap�tulo 9
A Unidade e Universalidade do Desenvolvimento da Consci�ncia

O desenvolvimento da consci�ncia � um processo �nico, unificado, que reflete tanto a
unidade do indiv�duo quanto a da hist�ria humana. Embora possamos discernir seis est�gios
distintos no desenvolvimento da consci�ncia, n�o devemos nos esquecer de sua unidade
essencial no indiv�duo e universalidade entre todos os seres humanos. No indiv�duo os
est�gios do desenvolvimento da consci�ncia s�o constru�dos um sobre o outro de modo
que cada est�gio � transformado pela adi��o do pr�ximo, sem que se perca nada do que j�
foi desenvolvido. Os est�gios n�o s�o estanques, separados, mas inter-relacionados no
funcionamento de uma pessoa �nica, com sua pr�pria personalidade.

Dentro da esp�cie humana o desenvolvimento da consci�ncia � um processo partilhado por
todas as pessoas. Nossos valores surgem de uma hist�ria comum, na qual somos membros
de uma vasta multiplicidade de pessoas, que se estende por todo o mundo, incluindo
aqueles que morreram e aqueles que ir�o nascer, bem como os que vivem agora. Todos
estamos diante de um futuro que se mostra cada vez mais atado ao futuro rec�proco. O
desenvolvimento da consci�ncia n�o � propriedade de um certo grupo seleto de pessoas,
mas est� dispon�vel a todos que possuam a linguagem e participa��o na sociedade. E o
potencial de atingir os est�gios mais elevados do desenvolvimento da consci�ncia est�
dispon�vel a todos, mesmo que seja atingido apenas por alguns.

O mais alto est�gio de desenvolvimento da consci�ncia s� se alcan�a atrav�s da
participa��o na feitura da hist�ria, e por isso, hoje s� pode ser atingido atrav�s do
ativismo pela paz. Isso se deve ao fato de que hoje a consecu��o da paz com justi�a � a
quest�o priorit�ria da agenda hist�rica. Todo ativismo pela justi�a social est� de alguma
forma relacionado � busca da paz; tudo resultar� em nada se a civiliza��o humana explodir
nas chamas da guerra nuclear.

Hoje desfrutamos da oportunidade de chegar a um n�vel de consci�ncia mais elevado do
que em qualquer outro per�odo hist�rico. Nunca antes houve uma amea�a �nica e universal
� nossa esp�cie, nem uma tarefa t�o abrangente, global, como a tarefa de abolir a guerra.
Jamais nossa esp�cie esteve como um todo de frente � quest�o �ltima da vida ou da
morte. Fechou-se o ciclo: A consci�ncia da esp�cie, que deu a cada um de n�s a
oportunidade de atingir consci�ncia individual, est� agora amea�ada; e somente o pleno
desenvolvimento da consci�ncia individual nas massas humanas poder� salv�-la.



Cap�tulo 10
Causas-Raiz da Nova Psicologia

A fim de prever as tarefas da nova psicologia, devemos compreender suas causas
primordiais. Dissemos que a nova psicologia est� emergindo em resposta �s necessidades
da hist�ria � mas a hist�ria n�o "causa" nada diretamente. Devemos falar num
"encadeamento causal" que principia nas ra�zes econ�micas das mudan�as hist�ricas. Estas
produzem eventos pol�ticos, como guerras e revolu��es que, por sua vez, s�o est�mulos
para os movimentos de paz. Quando os movimentos pacifistas crescem e se tornam
massivos, oferecem o contexto social para a intensifica��o do desenvolvimento da
consci�ncia nos indiv�duos. Por fim, essa intensifica��o do desenvolvimento da consci�ncia
requer uma nova psicologia.

O encadeamento causal que liga a economia �s guerras e aos movimentos pacifistas est�
documentado em meu livro The American Peace Movements 3. Os seis movimentos
pacifistas de massa que ocorreram na hist�ria norte-americana ilustram como esses
movimentos surgem em resposta a guerras e amea�as de guerra. A Liga Anti-Imperialista
(1898 � 1919) foi uma rea��o �s Guerras Hispano-Americana e Filipina. O Conselho Popular
Americano foi rea��o � Primeira Guerra Mundial (1917 � 1919). Houve dois movimentos de
paz nos anos 30 em rea��o ao surgimento do fascismo europeu: A Liga Americana contra a
Guerra e o Fascismo e a Campanha Emergencial de Paz. De 1946 a 1948 houve oposi��o
maci�a � Guerra Fria, encarnada pelo movimento Cidad�os Progressistas da Am�rica, que
patrocinou a campanha presidencial de Wallace. Como rea��o � Guerra do Vietn� (1966 �
1970) o movimento pacifista se organizou informalmente no "Mobes". Diante da nova Guerra
Fria surgiu um movimento pacifista associado amplamente � campanha pelo desarmamento
nuclear. Surgiram muitos movimentos pacifistas menores em resposta a estas guerras e
amea�as de guerra, e tamb�m em outros tempos, mas n�o foram capazes de mobilizar
milh�es de pessoas nos Estados Unidos.

As seis guerras e amea�as de guerra que provocaram os movimentos pacifistas de massa
nos Estados Unidos surgiram todas em fun��o de fatores econ�micos b�sicos. Tamb�m
estes foram amplamente documentados em meu livro The American Peace Movements e
ser�o apresentadas aqui apenas de forma sum�ria. A Guerra das Filipinas e Primeira Guerra
Mundial foram rea��es a crises econ�micas de superprodu��o e desemprego, que levaram
os pa�ses imperialistas a aumentar sua explora��o dos pa�ses coloniais e neocoloniais mais
pobres, o que por sua vez levou essas pot�ncias a disputarem entre si pelo dom�nio
daqueles mercados estrangeiros e �reas de investimento.

Esses fatores econ�micos continuam a produzir sua influ�ncia no surgimento do fascismo
europeu e da Segunda Guerra Mundial, bem como na Guerra Fria e na do Vietn�, mas a eles
somou-se um novo fator: a tentativa dos capitalistas de reverter o encolhimento do
"mundo livre" (isto �, a parte do mundo dispon�vel para investimento e explora��o
capitalista). Finalmente, as guerras e amea�as de guerra mais recentes, que culminaram na
Guerra Fria dos anos 80, foram causadas n�o s� pelos fatores j� mencionados, mas
tamb�m por uma nova e poderos�ssima for�a: o complexo industrial b�lico. Essa ind�stria
promove a prepara��o de guerras a fim de lucrar com os pedidos governamentais, livres da
competi��o do mercado capitalista.

Os mesmos fatores econ�micos que causaram as guerras tamb�m causaram revolu��es e
movimentos de liberta��o nacional. O desemprego maci�o foi estimulado pelo advento dos
movimentos revolucion�rios da classe trabalhadora. A explora��o de pa�ses coloniais e
neocoloniais pobres produziu movimentos de liberta��o nacional. Ambos costumam
acontecer nas ru�nas de pa�ses capitalistas depois da devasta��o de guerras
interimperialistas.

Em dado momento, para muitos observadores, o socialismo parecia estar se encaminhando
para a constru��o de um sistema econ�mico mundial que aparentemente prescindia da
guerra. Muito embora os pa�ses socialistas tenham nascido de guerras de liberta��o
nacional revolucion�rias, e embora tenham sido obrigados a defender suas revolu��es
militarmente contra ataques e invas�es, eles evitaram a maioria das causas intr�nsecas da
guerra. Suas economias n�o se basearam em superprodu��o, nem desemprego estrutural.
Nas rela��es entre pa�ses socialistas n�o havia explora��o imperialista. Ao contr�rio, o
fluxo de riqueza ia dos pa�ses socialistas mais ricos para os mais pobres11.

Embora a primeira edi��o deste livro dissesse que os pa�ses socialistas haviam escapado do
�nus do complexo industrial b�lico, isto acabou se revelando um erro. O mundo chocou-se
no final da d�cada de 80 pelo colapso econ�mico e pol�tico da Uni�o Sovi�tica e Leste
Europeu. O colapso foi provocado pela sobrecarga causada pela produ��o b�lica sobre a
economia sovi�tica. Os esfor�os envidados para reverter a tend�ncia de enfraquecimento
da economia, convertendo a produ��o de militar para civil, foram resistidos pelo complexo
industrial b�lico sovi�tico. Por fim, a economia faliu e o sistema pol�tico implodiu sobre seus
escombros.

Os sovi�ticos tentaram equiparar-se ao Ocidente em mat�ria de produ��o b�lica, mas
tinham como base uma economia com metade da pot�ncia. Assim, foram obrigados a
empregar uma parte de sua ci�ncia e tecnologia (que era duas vezes maior que a do
Ocidente) na ind�stria b�lica. Estima-se que 85% dos cientistas, engenheiros e
trabalhadores especializados sovi�ticos foram deslocados para a produ��o militar,
especialmente os mais competentes, pois ganhariam sal�rios mais altos no segmento
militar.

No final, a economia sovi�tica n�o conseguia produzir qualquer bem industrial com
qualidade suficiente para exporta��o, salvo por produtos militares e espaciais correlatos.
Computadores, ferramentas mec�nicas, autom�veis, eletro-eletr�nicos, roupas: tudo sofria
pelo desvio de tecnologia, m�o de obra e insumos para a insaci�vel corrida armamentista.
No mercado global contempor�neo � apenas uma quest�o de tempo at� que um tal sistema
entre em colapso.

Os efeitos imediatos sobre a paz mundial foram contradit�rios. De um lado, Gorbachev e
outros conseguiram fazer uma transi��o sem repress�o e guerra, diferente do que ocorreu
depois do colapso da Alemanha 60 anos antes. Tamb�m foram feitos acordos de
desarmamento importantes com o Ocidente. Mas, por outro lado, a perda da perspectiva
do socialismo nas Na��es Unidas deu ao Ocidente carta branca para usar as Na��es Unidas
para fazer a guerra no Golfo P�rsico. A perda do apoio socialista para a liberta��o nacional
tamb�m levou � derrota de movimentos progressistas no mundo inteiro.

A destrui��o do mundo socialista foi provocada por uma pol�tica criada deliberadamente
pelo Ocidente para falir o oponente atrav�s da corrida armamentista. Os efeitos de longo
prazo sobre a paz mundial foram negativos, pois essa estrat�gia foi interpretada no
Ocidente como uma vit�ria da confronta��o militar. E agora n�o mais dispomos de uma
alternativa desenvolvida para as causas subjacentes da guerra pela explora��o dos povos
dentro das na��es capitalistas e entre as na��es ricas e pobres.

Mas a corrida armamentista � uma espada de dois gumes. A economia norte-americana
tamb�m est� sobrecarregada pela produ��o militar resultante da Guerra Fria. Os Estados
Unidos produz cada vez menos produtos industriais de qualidade para exporta��o ou
consumo interno 12. Talvez esteja rumando para um colapso econ�mico similar, com
conseq��ncias pol�ticas que poderiam ser muito perigosas para a paz mundial.

Com o fim da Guerra Fria, o perigo de guerras entre estados diminuiu, e o perigo de guerras
civis evidenciou-se. Mais do que nunca, estamos conscientes de que a cultura da guerra
sempre teve aspectos internos bem como externos, que o militarismo vem sendo usado
historicamente n�o apenas para a guerra entre os estados, mas tamb�m para manter o
poder dentro de um estado.

Documentei as interven��es internas dos militares na hist�ria dos Estados Unidos e
descobri que houve uma m�dia de cerca de 20 interven��es e 12.000 tropas por ano por
mais de um s�culo 13. No come�o do s�culo 19 essas interven��es eram dirigidas
basicamente contra americanos nativos e usadas para manter a escravid�o. Depois da
Guerra Civil as interven��es foram usadas para coibir greves e dobrar o poder dos
sindicatos. Depois da Segunda Guerra Mundial v�m sendo usadas basicamente para
controlar viol�ncia urbana, praticada geralmente por jovens desempregados.

N�o h� motivos para pensar que a situa��o da hist�ria norte-americana seja muito
diferente daquela das outras grandes pot�ncias. Se quisermos ver a substitui��o da cultura
da guerra pela cultura da paz, ser� necess�rio substituir o uso (ou amea�a) de for�a militar
para manter o controle interno pelo estado por um sistema democr�tico que possa
assegurar estabilidade sem coer��o. Isso exigir� uma economia de paz, bem como
institui��es pol�ticas de democracia participativa.

O que precisamos neste momento hist�rico � o desenvolvimento de uma economia da paz,
que possa satisfazer as necessidades dos povos sem explora��o, e sem recorrer �
produ��o militar. Se isto pode ser feito no n�vel da na��o-estado, ou se deve ser realizado
em outros n�veis, locais, internacionais e regionais, � uma quest�o que se coloca para n�s.


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