Antropologia da Liberdade
Edgar Morin
p�g. 2/2
Considerando que numa mesma sociedade os indiv�duos s�o muito diversos do ponto de
vista gen�tico e psicol�gico, alguns deles se revelar�o resistentes ao imprinting
justamente porque sua individualidade se manifesta como uma forte autonomia cerebral.
Essas pessoas ser�o rebeldes em rela��o a coisas que a maioria aceita como evidentes.

�A intera��o das caracter�sticas individuais produzidas pela hereditariedade biol�gica e� a
forma��o da personalidade pelas normas culturais faz com que os indiv�duos se
diversifiquem. Permite tamb�m o surgimento de pessoas n�o conformistas e at� mesmo
desviantes, as quais podem escapar ao imprinting e se tornar mentalmente aut�nomas.

A vitalidade da autonomia cerebral/mental � uma condi��o da liberdade da mente. S�o
as mentes livres que ousam ser insubmissas ou resistentes. Algumas delas, de Ant�gona
a Soljenitsin, enfrentam at� a tortura e a morte em sua revolta contra uma Ordem
inexor�vel. Com mais freq��ncia, os rebeldes secretos ou os desviantes em potencial
n�o poder�o rebelar-se a n�o ser em condi��es de enfraquecimento do imprinting e da
normaliza��o.

Portanto, � poss�vel conceber as condi��es socioculturais da autonomia cognitiva� da
liberdade como representativas de uma alta complexidade social. Elas limitam a
explora��o, diminuem a sujei��o, permitem a autonomia f�sica, mental e espiritual e,
quando existe democracia, a liberdade pol�tica.

Essa alta complexidade est� ligada � import�ncia do componente auto-organizador
espont�neo da sociedade. Este, por sua vez, liga-se ao desenvolvimento das
comunica��es, das trocas econ�micas � que trazem consigo a troca de id�ias �, e �
intera��o e antagonismos entre interesses� opini�es. E assim o campo das liberdades
humanas se amplia com a amplia��o das escolhas individuais (de mercadorias, parceiros,
amizades, lazer, opini�es e assim por diante).

O desenvolvimento da pluralidade das comunica��es, interc�mbios, antagonismos, nos
campos econ�mico, pol�tico (democracia), das id�ias, constituem dessa maneira as
bolhas de cultura das liberdades individuais.

� em condi��es assim que a sujei��o dos indiv�duos passa a ser moderada e
intermitente; que as duas c�maras da mente se comunicam; que o superego n�o sufoca
o ego; que as brechas se multiplicam no imprinting cultural e na normaliza��o. O desvio
n�o � sempre eliminado no ovo, e assim pode desempenhar seu papel inovador. As id�ias
desconhecidas, oriundas de outro lugar ou dos subterr�neos da pr�pria sociedade,
podem ser difundidas.

A democracia e a laicidade facultam ao cidad�o o direito de observar a cidade e o
mundo. A ele s�o permitidos (ou solicitados) o exame e a opini�o em rela��o a tudo o
que deixou de ser sagrado: o comportamento�dos assuntos p�blicos e a reflex�o sobre
seu destino. Da� para frente, a parte aut�noma da mente se introduz na c�mara que foi
dominada. Ao mesmo tempo, emerge uma liberdade que confere ra�zes mentais �s livres
escolhas do cidad�o: uma liberdade do esp�rito individualista. Essa liberdade �
dependente e relativa. Os santu�rios do sagrado, os imprintings profundos, os m�ltiplos
preconceitos, os conformismos � tudo isso permanece nas mentes e a normaliza��o n�o
deixa de rejeitar os desvios extremos. Ao menos as liberdades t�m um �mbito mais amplo
do que o pequeno c�rculo das decis�es da vida privada.

Quando se torna relativamente aut�noma, a vida cotidiana permite desenvolvimentos
pessoais, em especial no que se refere ao amor. A adora��o e o culto �s divindades se
ampliam pela vida privada e se encarnam na pessoa amada. Dessa maneira o complexo
do amor se democratiza � ele que inclui o seu tanto de mitologia e religi�o e torna
po�ticas as exist�ncias individuais.

Nos casos em que existe uma vida cultural, intelectual e �s vezes pol�tica de car�ter
dial�gico, baseada em conflitos de id�ias, a troca de argumentos, com as regras de seu
jogo, interdita agress�es e elimina��es f�sicas. E assim essa vida cultural alimenta a
autonomia da mente. Quando as regras dial�gicas s�o inscritas na cultura e na pol�tica
(democracia), quando o imprinting muda de natureza, ele prescreve a liberdade.
Enra�za-se numa tradi��o de esp�rito c�tico e cr�tico. Desse modo, constitui uma
intelligentsia de certo modo desenraizada, social e parcialmente cosmopolita, que
constituir� o caldo de cultura de id�ias universalistas.

Em alguns lugares e momentos privilegiados, o pensamento tem cintila��es de liberdade
criadora. Alguns indiv�duos ent�o usam suas qualifica��es para imaginar e conceber.
Transgredindo o imprinting eles se revelam descobridores, te�ricos, pensadores,
criadores.

Em certas condi��es, j� investigadas7, acontece que alguns deles executam mergulhos
radicais em problemas n�o pensados das estruturas do pensamento ou da organiza��o
social.

Por fim, nas democracias os indiv�duos se tornam cidad�os para poder gozar de seus
direitos. Vem da� a import�ncia antropol�gica da democracia, considerando que ela
institui possibilidades de� liberdade humana.

Os direitos continuam distribu�dos de modo desigual, mesmo nas sociedades
democr�ticas altamente complexas. As possibilidades de liberdade� de movimentos,
a��o, frui��es, esp�rito, tamb�m s�o desigualmente divididas.

Da mesma forma, nas sociedades muito complexas � que comportam depend�ncias e
sujei��es �,� h� aqueles que passam pela malha social: os an�micos, loucos, mendigos,
hippies, todos procurando no subsolo um ref�gio para sua liberdade pessoal, mesmo se
exclu�dos de suas liberdades civis. J� outros, inseridos na megam�quina, l� exercem uma
resist�ncia colaboracionista, isto �, empenham-se para que as coisas funcionem sem
que com isso se conformem com as institui��es: tais s�o as artimanhas sociais da
liberdade.

H�, pois � repitamos �, uma ambival�ncia� entre a rela��o sociocultural e o indiv�duo. A
cultura imp�e o seu imprinting e simultaneamente proporciona seus modos, saberes e�
conhecimentos que desenvolvem a individualidade. Nas sociedades pluralistas, ela
representa um meio de cultura para a autonomia das id�ias e a express�o das cren�as
ou d�vidas pessoais. Disso resulta a sua ambival�ncia radical: a cultura permite a
autonomia, mas promove a sujei��o �s suas normas. Toda cultura subjuga e emancipa,
prende e liberta. As culturas das sociedades fechadas e autorit�rias contribuem
vigorosamente para� o controle; as culturas das sociedades abertas e democr�ticas
favorecem a pluralidade de liberdades.

Dessa maneira, a complexidade do ser social � o meio de cultura das complexidades do
indiv�duo.

O Dom�nio das Id�ias
Os indiv�duos n�o s�o apenas sujeitados por sua sociedade e cultura: tamb�m o s�o por
seus deuses e id�ias.
J� vimos8 que os deuses e as id�ias surgiram como ectoplasmas coletivos, tendo como
base� as mentes humanas. Tornaram-se entidades vivas, dotadas de individualidade,
nutridas pela comunidade de seus crentes e retroagindo em dire��o �s mentes, sem as
quais nada seriam.

Os deuses e as id�ias nos subjugam, reinam e ordenam. Segregamos esses seres
mentais, por�m eles t�m uma relativa autonomia e exist�ncia real em nossas mentes e
sociedades.

Somos possu�dos pelos deuses e pelas id�ias, nos sentidos vodu e dostoievskiano da
express�o.

As id�ias que possu�mos s�o id�ias-for�a, id�ias-mitos. T�m subst�ncia sobre-humana,
s�o impregnadas de providencialidade. Um exemplo � o desdobramento das id�ias usadas
pelos humanos. Elas tornam-se livres deles, acorrentam-nos e os arrastam:

"... as id�ias derrotaram o s�culo XX, incendiaram o planeta e fizeram correr um Dan�bio
de sangue, deportaram milh�es de homens" (Tchossitch, Le Temps du Pouvoir, L'Age
d'Homme, p�g.235).

Quantos milh�es de indiv�duos n�o ter�o sido v�timas da ilus�o ideol�gica, acreditando
trabalhar para a emancipa��o humana, mas trabalhando na verdade para sua
domina��o?

Contudo, mesmo que existam rupturas do imprinting, h� fraturas de id�ias e
esvaziamento de ideologias, com freq��ncia produzidas pela experi�ncia vivida. J� foi
poss�vel ver mentes se libertarem, antes de cair de novo em outras ilus�es.

N�o podemos viver sem id�ias-mestras, id�ias-for�as.Entretanto, permeando-as existe a
id�ia de liberdade. Quando ela nos possui, permite que adquiramos liberdades.

A liberdade est� em rela��o dial�gica com as id�ias: n�s as possu�mos e ao mesmo
tempo elas nos possuem.

Por fim, aos dom�nios da sociedade e da cultura cumpre acrescentar o dom�nio da
hist�ria: os indiv�duos s�o envolvidos por uma hist�ria que os agita e traz consigo
domina��es e liberta��es. A hist�ria n�o apenas op�e, mas tamb�m associa civiliza��o e
barb�rie. Os indiv�duos n�o conhecem o jogo e a continuidade hist�ricos.

Os Caminhos da Liberdade
Se nos fixarmos numa concep��o determinista do ser humano, n�o existe possibilidade
de liberdade e assim ela aparece como uma simples ilus�o. Se adotarmos uma vis�o
espiritualista de liberdade, ela ser� independente das condi��es f�sicas, biol�gicas,
sociol�gicas. Propomos conceber as possibilidades de liberdade humana nas e pelas
depend�ncias ecol�gicas, sociais, culturais, hist�ricas. Tentamos ir al�m do geneticismo,
do culturalismo, do sociologismo, integrando o gene, a cultura, a sociedade.

Isso significa principalmente que � preciso conceber o car�ter incerto e complexo da
rela��o entre autonomia e depend�ncia. A autonomia precisa das depend�ncias, mas
estas comportam servid�es e podem determinar domina��es que aniquilam a autonomia.

N�o podemos ignorar o tr�gico peso das depend�ncias, determina��es, domina��es,
sujei��es, possess�es.

Um ser humano n�o pode ser de todo dominado pela necessidade de viver para
sobreviver, ou seja, trabalhar sem ter garantida a frui��o de viver, a n�o ser por flashes,
instantes privilegiados de poesia. Viver para sobreviver mata a liberdade na origem. Uma
indiscut�vel maioria de humanos, ao longo da hist�ria e hoje em todo o globo, n�o pode
viver sen�o para sobreviver. Nas sociedades de baixa complexidade isso ocorre nas
piores condi��es poss�veis.

O N� G�rdio
A autonomia humana e as possibilidades da liberdade se produzem n�o ex nihilo, mas
pela e na depend�ncia anterior (patrim�nio heredit�rio) na depend�ncia exterior
(ecol�gica), na depend�ncia superior (a cultura), que co-produzem essa autonomia,
permitem-na nutrem-na, ao mesmo tempo em que a limitam, subordinam, e est�o em
constante risco de destru�-la.

Devemos lembrar-nos de que o indiv�duo � um sujeito cuja sede egoc�ntrica inclui a
inscri��o genoc�ntrica (o gene) e a inscri��o socioc�ntrica. Tudo se passa como se�
seu� computo/cogito obedecesse a tr�s l�gicos num s�: o do eu, o da esp�cie e o da
sociedade. Esse l�gico tri�nico � dial�gico, isto �, suas inst�ncias antag�nicas s�o
tamb�m complementares, permitindo assim a auto-afirma��o do sujeito.

Em sua complementaridade e oposi��es, as polidepend�ncias s�o fatores de autonomia:
a autonomia biol�gica vem da rela��o dial�gica entre o indiv�duo e o seu ambiente; a
autonomia cerebral vem da depend�ncia gen�tica; a autonomia mental � alimentada pela
depend�ncia cultural; a autonomia do comportamento � alimentada pela cultura, a qual
fornece as t�cnicas e os conhecimentos que permitem a��es eficazes.

Na maior parte do tempo somos�m�quinas triviais, pois obedecemos simultaneamente a
nossas determina��es ecol�gicas, biol�gicas, sociais e culturais. Por�m, somos de fato
m�quinas n�o-triviais, porque dispomos de um polilogicial gen�tico, cultural e
egoc�ntrico, necess�rio � nossa auto-afirma��o como sujeitos.

As depend�ncias gen�ticas tendem a reprimir as depend�ncias culturais e vice-versa. �
nesse jogo que a mente humana, formada pela cultura, pode dispor de uma grande
autonomia cerebral, que lhe permite resistir aos imprintings dessa cultura.

Nossa autonomia situa-se num c�rculo e numa dialogia entre os genes, o ambiente, o
c�rebro, a mente, a cultura, a sociedade. Mantemos rela��es antagonistas com cada
uma das inst�ncias desse c�rculo, que tende a destruir nossa autonomia, mas tal rela��o
� complementar para a instaura��o dessa mesma autonomia. Somos possu�dos por e
nesse c�rculo. Por�m, em nossos momentos de autonomia possu�mos esse c�rculo que
nos possui, quando paramos de viver apenas para sobreviver. Mesmo nos raros
momentos criadores que ocorrem no mundo humano, a possess�o continua na cria��o,
mas a transcende. O ato criador � simultaneamente aut�nomo e possu�do

Com efeito, vivemos como quase-possu�dos. De um modo alucinado, realizamos nossas
tarefas profissionais, como se f�ssemos realmente m�quinas triviais desde sempre
programadas: como nosso cora��o que bate automaticamente, nosso organismo que
funciona hiperciberneticamente com suas mir�ades de c�lulas e centenas de �rg�os,
nosso imenso computador vivo, cujas opera��es inconscientes controlam a nossa
consci�ncia. Em que jogo estamos? Em v�rios momentos, somos jogados como
brinquedos, mas tamb�m somos jogadores.

Em todas essas circunst�ncias interv�m o acaso, que antes mesmo do nascimento
dividiu os genes dos pais e, do nascimento em diante, interv�m sob a forma de
acidentes, perdas, acidentes regulares, encontros. Estes transparecem de modo
inesperado no interior de cada um, em nossos atos e decis�es de m�quina n�o-trivial,
principalmente na convers�o a uma f� ou desconvers�o, com seus sempre inesperados
efeitos.

Desse modo, nossas liberdades dependem tamb�m do acaso: podem realizar-se por meio
dele, mas tamb�m podem ser por ele abolidas. Como ocorre com nossas vidas, as
liberdades s�o tribut�rias da sorte e da m� sorte. Se a liberdade � uma escolha, e se
toda escolha � aleat�ria, tomamos decis�es livres em meio � incerteza e ao risco.

Eis o paradoxo: mesmo fazendo parte de processos transindividuais, gen�ticos,
familiares, sociais, culturais, nool�gicos, mesmo submetidos a acasos de toda esp�cie,
somos relativamente aut�nomos � relativamente capazes de perseguir nossos fins
individuais e dispomos eventualmente de liberdades.

O destino humano caminha em ziguezague numa dialogia de acaso, necessidade e
autonomia. Em cada vida humana h� tantos acasos, tantas necessidades e, no entanto,
tantas possibilidades de autoconstru��o da autonomia, pelos seguintes meios:

- integra��o e li��es das experi�ncias de vida;
- capacidade de adquirir, capitalizar, explorar a experi�ncia pessoal (claro que com a
possibilidade de muitos erros e ilus�es);
- capacidade de elaborar estrat�gias de conhecimento e comportamento (isto �, de lidar
com a incerteza e utilizar a sorte);
- capacidade de escolher e modificar as escolhas;
- capacidade de consci�ncia.

A verdadeira consci�ncia da liberdade se baseia na consci�ncia da rela��o
autonomia/depend�ncia/possess�o/possuidor, na consci�ncia da ecologia da a��o, na
vontade de pensar de maneira aut�noma apesar das proscri��es, condena��es e
perigos.

As Liberdades da Mente
A mente de um indiv�duo/sujeito � a sede da sujei��o e da liberdade.

Quando alguns indiv�duos deixam de se sujeitar a ordens, mitos e cren�as vindas do
Grande Computador, e se tornam sujeitos de conhecimento e reflex�o, come�a a
liberdade da mente.

Contudo, o problema nool�gico continua: persiste a domina��o pelas id�ias, inclusive, as
emancipadoras. A liberdade mental deve ocorrer em dialogia com o mundo nool�gico.
Ela � mantida e fortalecida por:

-curiosidades e aberturas rumo ao que est� al�m (do dito, conhecido, ensinado,
recebido, etc.);
- capacidade de aprender por si mesmo (autodidatismo);
- aptid�o para problematizar;
- pr�tica de estrat�gias cognitivas (as estrat�gias envolvem sempre uma intera��o
entre decis�es e a��es aut�nomas e condi��es exteriores incertas);
- inven��o e cria��o, que revelam o car�ter n�o trivial da mente humana;
- possibilidade de verificar o erro e elimin�-lo;
- consci�ncia reflexiva: a capacidade cerebral de autocomportar-se � integrada,
prolongada e ultrapassada pela capacidade que tem a mente de se auto-examinar e, no
caso do indiv�duo, a� capacidade de se autoconhecer, autopensar-se, autojulgar-se;
- consci�ncia moral.

Em toda sociedade h� mentes que resistem ao imprinting e � manipula��o; s�o minorias
e constituem os desviantes potenciais (muitas vezes um deles � o pr�prio soberano),
precursores das liberdades dos outros.

Despertos e Son�mbulos
Somos aut�matos, son�mbulos, possu�dos. Mas tamb�m podemos ser conscientes de
nosso sonambulismo, automatismo e possess�es. Somos m�quinas na maioria das vezes
triviais. Mas tamb�m� somos sujeitos conscientes, capazes de auto-afirma��o. � por isso
que somos tamb�m m�quinas n�o-triviais. De certo modo, podemos tomar posse daquilo
que nos possui. O c�rculo da dupla possess�o prolonga e transforma o c�rculo da
autonomia/depend�ncia. A auto-afirma��o do sujeito se apropria daquilo que o possui
sem deixar de estar possu�do.

Assim como podemos possuir o amor que nos possui, o sujeito consciente tamb�m pode
possuir aquilo que o possui.

A consci�ncia � a emerg�ncia de muitas possess�es possu�das, depend�ncias produtoras
de autonomia, metaponto de vista reflexivo de si sobre si, metaponto de vista de
conhecimento do conhecimento. � tamb�m a condi��o da liberdade humana.

A auto-afirma��o do sujeito (subjetiva) � o ato pelo qual ele se apossa de suas
possess�es, o ato de apropriar-se de seu destino. Na consci�ncia est� o ato de auto-
afirma��o do sujeito e no ato de auto-afirma��o do sujeito est� o ato de auto-
afirma��o da consci�ncia. Claro est� que as concep��es dominantes que ignoram o
sujeito, a consci�ncia, a criatividade, s�o incapazes de perceber a autonomia e a
liberdade. O sujeito est� no centro da autonomia humana: nele est� a consci�ncia, a
reflexividade, a existencialidade.

A complexidade bio-antropo-social � a condi��o da liberdade. Quanto maiores s�o as
complexidades biol�gicas, social, cultural, ideol�gica, quanto maior � a parte da
autonomia individual, maiores s�o as possibilidades de liberdade.

A liberdade precisa de regras e constri��es exteriores (as leis sociais) e interiores (os
imperativos morais). A liberdade que se prop�e suprema transgride a lei, pode tornar-se
criminosa e, no limite, autodestr�i-se. Como no suic�dio de Kirilov, no qual a possess�o
total de si tornou-se a destrui��o total de si.

A liberdade irrefreada se volta para o crime e, ao se colocar contra a domina��o e a
sujei��o, corre o risco de morrer. A liberdade pode ser morta e tamb�m ser punida de
morte.

Na democracia, o livre pensar � um desvio com freq��ncia tolerado, por�m n�o mais do
que isso. Muitas vezes ele deve aceitar a incompreens�o e a solid�o.

Assumir conscientemente as tr�s finalidades � a do indiv�duo/sujeito, a da esp�cie
humana, a da sociedade � � escolher o destino humano em suas autonomias e em sua
plenitude. E assim afirmar no mais alto n�vel a liberdade, que desse modo � posta a
servi�o n�o apenas de si mesmo, mas tamb�m da esp�cie e da sociedade.

A liberdade tem sua maior for�a quando � possu�da pelo esp�rito da liberdade. Sua maior
capacidade de enfrentar o que � sagrado n�o � poss�vel a n�o ser quando ela pr�pria �
sacralizada.

Notas
1. E. MORIN, La M�thode 1. Paris, Seuil, 1977; idem, La M�thode 2, Paris, Seuil, 1980.
2. Idem, La M�thode 2, p�gs. 108-110.
3.� Sua depend�ncia do ecossistema � circular. A por��o viva do ecossistema (biocenose)
� constitu�da pela intera��o entre seres vivos e depende destes, que por sua vez
dependem dela.
4. E. MORIN, La M�thode 2.�
5. E. MORIN, idem, p�g. 115 e segs. e, mais detalhadamente, p�gs. 101-300.�
6.� E. MORIN, La M�thode 4, Paris, Seuil, 1991.
7. E. MORIN, La M�thode 4, p�g. 45 e segs.
8.� E. MORIN, La M�thode 4, p�gs. 105-107.
(1999)

EDGAR MORIN, soci�logo, fil�sofo, historiador, � diretor de pesquisas do� Centre National
de la Recherche Scientifique, em Paris, e presidente da Association pour la Pens�e
Complexe, tamb�m sediada em Paris.

Este texto � a tradu��o de Anthropologie de la Libert�, GRASCE Entre Syst�mique et
Complexit�, Chemin Faisant M�canges [cf.] en l'Honneur du Professor Jean-Louis Le
Moigne. Paris: Presses Universitaires de France, 1999, p�gs. 157-170.

p�g. 1/2
voltar