A Casa Mundial
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II

Dentre os imperativos �ticos de nosso tempo, somos desafiados a trabalhar
obstinadamente no mundo inteiro para varrer todos os vest�gios de racismo. J� em 1906
W. E. B. Du Bois profetizava que "o problema do s�culo XX ser� o problema da divis�o de
cor". Hoje sabemos que o racismo � o c�o infernal no encal�o de nossa civiliza��o.
O racismo n�o � um problema somente na Am�rica do Norte, seu dom�nio n�o conhece
barreiras geogr�ficas. De fato, o racismo e seu eterno aliado � a explora��o econ�mica �
fornecem a chave para o entendimento da maioria dos entreveros internacionais desta
gera��o.

O exemplo cl�ssico de racismo organizado e institucionalizado � a �frica do Sul. A pol�tica
interna e a pr�tica ali s�o encarna��o da doutrina da supremacia do branco em meio a
uma popula��o majoritariamente negra. Mas a trag�dia da �frica do Sul n�o � apenas
sua pol�tica, � o fato de que ela � viabilizada pela pol�tica econ�mica dos Estados Unidos
e da Gr�-Bretanha, dois pa�ses que se declaram basti�es da moralidade no mundo
ocidental.

Portugal com sua pr�tica de trabalho escravo em Angola; o governo de Ian Smith na
Rod�sia com apoio da ind�stria Brit�nica e capital privado, apesar da oposi��o do
governo Brit�nico. Mesmo no caso do pequeno pa�s da �frica do Sul Oriental, as na��es
poderosas do mundo mostram-se incapazes de tomar uma posi��o �tica em rela��o �
�frica do Sul, embora este pequeno pa�s esteja sob a tutela das Na��es Unidas. Suas
pol�ticas s�o controladas pela �frica do Sul e sua for�a de trabalho aliciada para as
minas, onde trabalha em regime de semi-escravid�o.
Durante a administra��o Kennedy surgiu alguma consci�ncia dos problemas que
germinavam sob a influ�ncia de condi��es racistas e de explora��o no mundo de cor, e
uma preocupa��o passageira emergiu livrando os Estados Unidos de sua cumplicidade,
muito embora o esfor�o tenha sido apenas no n�vel diplom�tico. Atrav�s de nosso
embaixador nas Na��es Unidas, Adlai Stevenson, esbo�ou-se o in�cio de uma abordagem
inteligente aos povos de cor do mundo. Contudo, verificaram-se poucas tentativas de
lidar com os aspectos econ�micos da explora��o racial. Mantivemos um sil�ncio absoluto
sobre os 700 milh�es de d�lares que sustentam o regime do Appartheid, sem mencionar
os bilh�es de d�lares gastos em com�rcio e alian�as militares sob o pretexto de combater
o comunismo na �frica.

Nada oferece aos comunistas melhor ambiente para expans�o e infiltra��o do que a
permanente alian�a dos Estados Unidos com o racismo e a explora��o no mundo inteiro.
E se n�o usarmos de determina��o para erradicar os �ltimos vest�gios de racismo das
negocia��es de nosso pa�s com o resto do mundo, talvez logo vejamos os pecados de
nossos pais reca�rem sobre a nossa gera��o e as gera��es futuras. Pois as condi��es
que est�o classicamente representadas na �frica est�o presentes tamb�m na �sia e na
Am�rica Latina.

Em todos os cantos da Am�rica Latina h� um tremendo ressentimento contra os Estados
Unidos, e o ressentimento � tanto maior quanto mais pobre e negra a popula��o do
continente. A vida e destino da Am�rica Latina est�o nas m�os das corpora��es Norte-
Americanas. As decis�es que afetam a vida dos Latino-Americanos s�o ostensivamente
feitas por seus governos, mas praticamente n�o h� democracias leg�timas naquele
continente. Os outros governos s�o dominados por cart�is gigantescos e exploradores
que roubam da Am�rica Latina seus recursos enquanto repassam uma pequena parcela a
uma aristocracia corrupta, que por sua vez n�o investe em seu pa�s para o bem do povo,
mas sim nos bancos su��os e nos parques de divers�o do mundo.

Aqui vemos o racismo em sua forma mais sofisticada: o neo-colonialismo. A B�blia e os
anais da hist�ria est�o repletos das est�rias tr�gicas de um irm�o que rouba ao outro
seu direito de nascimento, assim produzindo gera��es de luta e inimizade. Dificilmente
escaparemos de tal julgamento pela Am�rica Latina, n�o mais do que pudemos escapar
da semeadura de �dio no Vietnam durante um s�culo de explora��o francesa.

H� uma tenta��o conveniente de atribuir a confus�o e amargura prevalecente no mundo
� presen�a de uma conspira��o comunista que visa subjugar a Europa e a Am�rica, mas
o potencial explosivo da situa��o mundial � muito mais explic�vel pela desilus�o com as
promessas do cristianismo e da tecnologia.

Os l�deres revolucion�rios da �frica, �sia e Am�rica Latina praticamente todos receberam
educa��o superior em capitais ocidentais. Sua educa��o prim�ria foi freq�entemente em
escolas cat�licas mission�rias. Ali seu sentido de dignidade foi moldado e aprenderam que
todos os homens s�o filhos de Deus. Nos anos recentes seus pa�ses foram invadidos por
autom�veis, coca-cola e Hollywood, de modo que mesmo os vilarejos mais remotos
ficaram cientes das maravilhas e b�n��os dispon�veis aos filhos brancos de Deus.
Depois de ati�adas as aspira��es e apetites do mundo pelas maravilhas da tecnologia
ocidental, e a auto-imagem das pessoas tendo sido acordada pela religi�o, n�o se pode
esperar que essas mesmas pessoas aceitem ficar trancadas para fora do reino secular da
riqueza, sa�de e felicidade. Ou bem partilham as b�n��os do mundo, ou organizam-se
para quebrar e derrubar aquelas estruturas e governos que se colocam como obst�culo
para o atingimento de seus fins.

Gera��es anteriores n�o podiam sequer conceber tal luxo, mas seus filhos agora tiveram
este vislumbre e exigem que se torne realidade. E quando olham em volta e v�em que os
�nicos a n�o partilhar da abund�ncia da tecnologia ocidental s�o as pessoas de cor, �
praticamente imposs�vel n�o conclu�rem que sua condi��o e explora��o est�o de alguma
forma relacionadas � cor de sua pele e ao racismo do mundo branco ocidental.

Este n�o � um fundamento seguro para a casa mundial. O racismo pode bem ser o
agente corrosivo que far� ruir a civiliza��o ocidental. Arnold Toynbee disse que cerca de
vinte e seis civiliza��es surgiram sobre a face da terra. Quase todas foram destru�das. A
ascens�o e queda dessas civiliza��es, segundo Toynbee, n�o foi causada por invas�es
estrangeiras, mas por uma decad�ncia interna. Elas n�o conseguiram reagir criativamente
aos desafios que enfrentaram. Se a civiliza��o ocidental n�o responder construtivamente
ao desafio de banir o racismo, algum historiador do futuro ter� de escrever que uma
grande civiliza��o morreu por n�o ter tido o desejo e o comprometimento de fazer da
justi�a uma realidade para todos os homens.

Um outro grave problema que deve ser resolvido se quisermos viver criativamente em
nossa casa mundial � o da pobreza em escala global. Como um gigantesco polvo, ela
estende seus tent�culos, apertando e sufocando pa�ses e vilarejos por todo o mundo.
Dois ter�os da popula��o do mundo adormecem com fome. Est�o subnutridos, mal
abrigados e mal vestidos. Muitos n�o t�m casa ou cama na qual dormir. Suas camas s�o
as cal�adas e estradas poeirentas. Muitas destas crian�as pobres nunca viram um
m�dico ou dentista.

A pobreza n�o � novidade. A novidade � que agora temos recursos para acabar com ela.
H� poucos anos o Dr. Kirtley Mather, um ge�logo de Harvard, escreveu um livro intitulado
"Suficiente e Abundante" (Enough and to Spare).2 Ali ele desenvolve a id�ia de que a
fome � totalmente dispens�vel no mundo moderno. A quest�o em pauta hoje deve ser:
Por que h� fome e priva��o em qualquer terra, cidade, mesa, quando o homem tem os
recursos e o conhecimento cient�fico para prover toda a humanidade com o b�sico
necess�rio � vida? At� desertos podem ser irrigados e a camada arenosa do solo
substitu�da. N�o podemos nos queixar de falta de terras, pois existem 25 milh�es de
milhas de terras ar�veis no mundo, dos quais usamos apenas sete milh�es. Temos
conhecimentos espantosos sobre vitaminas, nutri��o, a qu�mica do alimento e a
versatilidade dos elementos. N�o h� falta de recursos humanos; a falta � de vontade.

Isso n�o significa que podemos desconsiderar a taxa de crescimento da popula��o
mundial. A explos�o populacional � um dado real, e deve ser enfrentada se quisermos
evitar a situa��o de superlota��o daqui a alguns s�culos. Muitas das grandes na��es
subdesenvolvidas de hoje est�o confrontadas com o problema do excesso populacional
em rela��o a seus recursos. Mas mesmo este problema pode ser grandemente mitigado
pondo-se um fim � pobreza. Quando as pessoas v�m mais oportunidades de ter uma boa
educa��o e maior seguran�a econ�mica, come�am a pensar se talvez uma fam�lia menor
n�o seria melhor, tanto para pais como para filhos. Em outras palavras, n�o acredito que
se possa estabilizar a popula��o sem primeiro estabilizar os recursos econ�micos.

Chegou a hora de travar uma batalha total e sem tr�guas contra a pobreza. As na��es
abastadas devem usar seus vastos recursos para desenvolver as subdesenvolvidas,
ensinar os que n�o receberam educa��o e alimentar os famintos. Os ricos e seguros
freq�entemente tornam-se indiferentes e cegos � pobreza e priva��o � sua volta. Os
pobres de nossos pa�ses t�m sido trancados para fora de nossas mentes e afugentados
do centro das sociedades, e temos permitido que se tornem invis�veis.
Fundamentalmente uma grande na��o � uma na��o compassiva. Nenhum indiv�duo ou
na��o pode ser grande se n�o se preocupa com "os irm�os mais pequeninos".

O primeiro passo na guerra mundial contra a pobreza � um comprometimento apaixonado.
Todas as na��es abastadas � Am�rica do Norte, Gr�-Bretanha, R�ssia, Canad�, Austr�lia
e as da Europa Ocidental � devem assumir como obriga��o moral o fornecimento de
capital e assist�ncia t�cnica �s �reas subdesenvolvidas. At� aqui o empenho destas
ricas na��es somente arranhou a superf�cie do problema. Faz-se necess�ria agora uma
estrat�gia abrangente de apoio. Uma pequena ajuda aqui e ali n�o � suficiente, nem
sustentar� o crescimento econ�mico. � preciso produzir um esfor�o continuado de
muitos anos. As na��es abastadas devem dar in�cio imediatamente a um "plano Marshall"
para a �sia, �frica e Am�rica do Sul. Se dedicassem apenas 2% de seu PIB anual por um
per�odo de dez ou vinte anos para o desenvolvimento das na��es subdesenvolvidas, a
humanidade faria grande progresso em dire��o � derrota de seu antigo inimigo: a
pobreza.

O programa de ajuda que sugiro n�o deve ser usado pelas na��es abastadas como forma
sub-rept�cia de controlar as na��es mais pobres. Tal abordagem levaria a um novo tipo
de paternalismo e a um neocolonialismo que nenhuma na��o que se preze poderia
aceitar. Programas de ajuda estrangeira devem estar fundamentalmente motivados por
um esfor�o compassivo e s�rio de eliminar a pobreza, a ignor�ncia e a doen�a. Dinheiro
desacompanhado de verdadeira empatia � como sal privado de sabor; n�o serve para
nada - a n�o ser para inspirar o desprezo dos homens.

O Ocidente deve entrar neste programa com humildade e penit�ncia, e com a percep��o
s�bria de que nem tudo estar� sempre "do nosso lado". N�o se deve esquecer que as
pot�ncias Ocidentais s�o nada mais que os senhores coloniais do passado. A casa do
Oeste est� longe de estar em ordem, e suas m�os n�o est�o limpas.

Devemos ter paci�ncia. Estar dispostos a compreender porque muitas das na��es jovens
ter�o de passar pelo mesmo extremismo, revolu��es e agress�o que formaram a nossa
pr�pria hist�ria. Todo novo governo � confrontado por enormes problemas. Nos dias em
que lut�vamos para nos livrar do jugo do colonialismo, havia uma esp�cie de unidade de
prop�sito pr�-existente que manteve as coisas na dire��o certa. Mas quando chega a
independ�ncia, todos os amargos problemas da vida surgem com duro realismo: a falta
de capital, a pobreza que sufoca, as incontrol�veis taxas de natalidade e, acima de
tudo, as grandes aspira��es do povo. O per�odo p�s-colonial � mais dif�cil e prec�rio que
a pr�pria luta colonial.

O Ocidente deve entender tamb�m que seu crescimento econ�mico deu-se sob
circunst�ncias bastante prop�cias. A maioria das na��es era relativamente pouco
populosa quando ascendeu economicamente, e tinha grandes reservas de ferro e carv�o,
necess�rios para a ind�stria. Hoje, a maioria dos governos jovens chega sem estas
vantagens e, acima de tudo, deve lidar com a superpopula��o. N�o h� forma de fazer
isto sem ajuda.

Um programa genu�no por parte das na��es mais ricas para fazer prosperar as na��es
mais pobres ir�, em �ltima an�lise, aumentar a prosperidade de todos. Uma das melhores
provas de que a realidade tem seus fundamentos na �tica � o fato de que quando
homens e governos trabalham devotadamente pelo bem dos outros, conquistam seu
pr�prio enriquecimento ao longo do processo.

Desde tempos imemoriais os homens t�m vivido pelo princ�pio de que "a auto-preserva��o
� a primeira lei da vida" mas isto � um falso pressuposto. Diria que a preserva��o do
outro � a primeira lei da vida. E � a primeira justamente porque n�o podemos preservar o
ser sem o cuidado de preservar outros seres. O universo est� estruturado de tal forma
que as coisas tomam o caminho errado quando os homens n�o s�o diligentes no cultivo
da dimens�o do "cuidado com o outro". N�o posso me realizar sem "voc�". O ser n�o
pode ser sem outros seres. Cuidado de si sem cuidado do outro � como um afluente que
n�o tem sa�da para o mar, a �gua parada, estagnada. Falta vida e frescor. Nada seria
mais desastroso e desarm�nico para nossos interesses do que permitir que as na��es
desenvolvidas entrassem na rua sem sa�da do ego�smo desordenado. Estamos na
situa��o afortunada de poder fundir nosso mais profundo sentido �tico com nossos
pr�prios interesses.

Mas o verdadeiro motivo pelo qual devemos usar nossos recursos para erradicar a
pobreza vai al�m das preocupa��es materiais em dire��o � qualidade de nossa mente e
esp�rito. Profundamente enraizada na f� de nossa tradi��o religiosa est� a convic��o de
que os homens foram feitos � imagem de Deus, e que s�o almas de infinito valor
metaf�sico. Se aceitarmos isto como uma realidade �tica profunda, n�o podemos ficar em
paz ao vermos homens com fome e vitimados pela doen�a, tendo meios para ajud�-los.
No final, os ricos n�o devem ignorar os pobres porque ricos e pobres est�o amarrados
uns aos outros. Vieram pelo mesmo portal misterioso do nascimento humano para a
mesma aventura de uma vida mortal.

Todos os homens s�o interdependentes. Cada na��o � herdeira de um vasto tesouro de
id�ias e trabalho para o qual contribu�ram os vivos e os mortos de todas as na��es. Quer
percebamos ou n�o, cada um de n�s vive eternamente "no vermelho". Somos devedores
permanentes de homens e mulheres desconhecidos. Quando levantamos de manh�
caminhamos at� o banheiro e pegamos uma esponja que foi colhida por um ilh�u do
Pac�fico. Pegamos o sab�o que foi inventado por um Europeu. � mesa bebemos caf�
fornecido por um habitante da Am�rica do Sul, ou ch� plantado pelos chineses, ou
chocolate cultivado por um africano oriental. Antes de sairmos para o trabalho j�
devemos para mais de meio mundo.

Verdadeiramente, toda a vida est� inter-relacionada. A agonia do pobre empobrece o
rico; a melhoria do pobre enriquece o rico. Somos inevitavelmente os guardi�es de nosso
irm�o porque somos o irm�o de nosso irm�o. O que afeta diretamente a um, afeta a
todos indiretamente.

Um �ltimo problema que a humanidade deve resolver para sobreviver na casa mundial que
herdamos � encontrar uma alternativa para a guerra e a destrui��o dos homens.
Acontecimentos recentes demonstram nitidamente que as na��es n�o est�o diminuindo,
mas sim aumentando seus arsenais de armas de destrui��o em massa. As melhores
cabe�as nas na��es mais desenvolvidas do mundo dedicam-se � tecnologia militar. A
prolifera��o de armas at�micas n�o parou apesar do tratado de limita��o dos testes.

Nesta �poca de conquistas tecnol�gicas avan�adas, de descobertas estonteantes, de
novas oportunidades, grande dignidade e plena liberdade para todos, n�o h� desculpas
para aquela fome insana de poder e recursos que provocou guerras nas gera��es
anteriores. N�o h� necessidade de lutar por alimento ou terras. A ci�ncia nos ofereceu
meios adequados de sobreviv�ncia e transporte que nos permitem desfrutar a plenitude
deste grande planeta. A quest�o agora �: teremos a �tica e a coragem exigidas para
viver juntos, como irm�os, sem medo?

Uma das ambig�idades mais persistentes que enfrentamos � que todos falam da paz
como uma meta, mas entre os detentores do poder a paz n�o � da conta de ningu�m.
Muitos clamam por "Paz! Paz!", por�m recusam-se a fazer coisas que conduzem � paz.
Os grandes blocos de poder falam acaloradamente de paz enquanto engordam os j�
gordos or�amentos de defesa, aumentam ex�rcitos j� enormes e inventam armas ainda
mais devastadoras. Chame aqueles que pedem por paz e ouviremos um surpreendente
coro. Os chefes das na��es declaram em altas vozes que a paz � necess�ria, mas
chegam � mesa de negocia��o acompanhados de guerreiros com espadas
desembainhadas.

A hist�ria est� repleta de conquistadores do passado que vieram matando em busca da
paz. Alexandre o Grande, Gengis Kham, Julius C�sar, Carlos Magno e Napole�o tinham em
comum a busca de uma ordem mundial pac�fica, um mundo moldado a partir de suas
concep��es egoc�ntricas da exist�ncia ideal. Cada um deles buscou um mundo em paz
que personificasse seus sonhos egoicos. Mesmo durante o nosso tempo sobre a terra,
outro megaloman�aco passou pelo cen�rio mundial. Ele enviou suas legi�es por toda a
Europa, semeando desastre e holocausto por onde passava. H� uma triste ironia no fato
de que Hitler conseguiu ascender, seguindo teorias expansionistas francamente
agressivas, e fazer tudo isto em nome da paz.

Hoje quando vejo os l�deres das na��es novamente falando de paz, mas preparando-se
para a guerra, fico temeroso. Quando vejo nosso pa�s intervindo no que era basicamente
uma guerra civil, mutilando centenas de milhares de crian�as Vietnamitas com napalm,
queimando vilas e campos de arroz aleatoriamente, pintando os vales daquele pequeno
pa�s asi�tico com sangue humano, deixando esqueletos quebrados em valas abertas, e
mandando para casa semi-homens, mutilados f�sica e emocionalmente; quando vejo a m�
vontade de nosso governo em criar a atmosfera para um acordo negociado que ponha
fim a esse medonho conflito, negando-se a parar os bombardeios no Norte e
concordando em falar com os Vietcong, temo pelo nosso mundo. N�o s� pela lembran�a
dos pesadelos das guerras do passado, mas tamb�m pela consci�ncia da possibilidade
moderna de destrui��o nuclear, e pelas perspectivas ainda mais calamitosas para o
futuro.

Antes que seja tarde demais, devemos diminuir a dist�ncia entre nossas declara��es de
paz e nossas a��es vis, que precipitam e perpetuam a guerra. � nosso dever levantar os
olhos do p�ntano de programas militares e investimentos em defesa e ler os avisos nas
placas da hist�ria.

Um dia veremos que a paz n�o � apenas um objetivo distante que buscamos, mas um
meio pelo qual chegaremos a esta meta. Devemos procurar metas de paz atrav�s de
meios pac�ficos. Quanto tempo ainda precisaremos praticar jogos de guerra mortais antes
de ouvir as s�plicas dos incont�veis mortos e mutilados das guerras passadas?

O presidente John. F. Kennedy disse em certa ocasi�o "A humanidade precisa por um fim
� guerra, ou a guerra por� um fim � humanidade". A sabedoria nascida da experi�ncia
deveria nos dizer que a guerra � obsoleta. Talvez tenha havido um tempo em que a
guerra serviu como um bem negativo, prevenindo o alastramento das for�as do mal, mas
o poder destrutivo das armas modernas elimina inclusive a possibilidade de que a guerra
traga qualquer coisa de bom. Se entendemos que a vida vale a pena ser vivida, e que o
homem tem direito � sobreviv�ncia, temos que encontrar uma alternativa para a guerra.

No dia em que m�sseis teleguiados cortarem sulcos de morte pela estratosfera, nenhuma
na��o poder� declarar-se vencedora na guerra. Uma guerra chamada "limitada" deixar�
um legado calamitoso de sofrimento humano, caos pol�tico e desilus�o espiritual. Uma
guerra mundial deixar� apenas cinzas, mudo testemunho de uma ra�a cuja loucura a
levou inexoravelmente � morte. E se o homem moderno continuar flertando livremente
com a morte, transformar� sua habita��o terrena num tal inferno que nem a mente de
Dante poderia imaginar.

Portanto, sugiro que a filosofia e a estrat�gia da n�o-viol�ncia sejam imediatamente
estudadas e seriamente aplicadas em todos os campos do conflito humano, sem excluir
as rela��es entre os Estados. Afinal, s�o as na��es-estado que fazem a guerra, que
produzem as armas que amea�am a sobreviv�ncia da humanidade, e que mostram um
car�ter suicida e genocida.

Ser� preciso lidar com h�bitos antiq��ssimos, vastas estruturas de poder, problemas
indescritivelmente complicados. No entanto, a menos que abdiquemos de nossa
humanidade e sucumbamos ao medo e impot�ncia na presen�a das armas que n�s
mesmos criamos, � poss�vel e urgente por um fim � guerra e � viol�ncia entre na��es �
como � poss�vel por um fim � pobreza e � injusti�a racial.

A Organiza��o das Na��es Unidas � um gesto na dire��o da n�o-viol�ncia mundial. Ao
menos ali os estados que se op�em um ao outro t�m procurado faz�-lo atrav�s de
palavras em vez de armas. Mas a verdadeira n�o-viol�ncia � mais que a aus�ncia de
viol�ncia. � a aplica��o persistente e determinada de um poder de pacifica��o das
ofensas � comunidade � neste caso � comunidade mundial. Enquanto as Na��es Unidas
avan�am na gigantesca tarefa em suas m�os, gostaria que examinasse atentamente as
aplica��es da a��o n�o-violenta direta.

N�o quero minimizar a complexidade dos problemas a serem encarados para conseguir o
desarmamento e a paz. No entanto, estou convencido de que n�o teremos a vontade,
coragem e vis�o para lidar com tais quest�es a n�o ser que estejamos preparados para
sofrer uma reformula��o mental e espiritual, uma mudan�a de foco que nos permitir� ver
que aquilo que nos parece mais real e poderoso � hoje na verdade irreal e uma senten�a
de morte. Precisamos fazer um esfor�o supremo para gerar a prontid�o, realmente uma
urg�ncia em entrar no novo mundo que agora � poss�vel "a cidade que tem uma
funda��o, cuja Constru��o e Construtor s�o Deus".

N�o basta dizer "N�o devemos fazer guerra". � preciso amar a paz e fazer sacrif�cios por
ela. Precisamos nos concentrar n�o somente em erradicar a guerra, mas em afirmar a
paz. Chegou-nos da literatura grega uma fascinante hist�ria sobre Ulisses e as Sereias:
Era t�o doce o seu canto que os marinheiros n�o resistiam e rumavam para sua ilha.

Muitos navios eram levados at� as pedras, os homens se esqueciam de casa, do dever e
da honra e atiravam-se ao mar para abra�ar as criaturas que os levavam ao fundo e �
sua morte. Ulisses, decidido a n�o sucumbir �s Sereias, primeiro amarrou-se firmemente
ao mastro do navio e pediu � tripula��o que tampasse seus ouvidos com cera. Por fim
Ulisses e sua tripula��o aprenderam um m�todo melhor de salvamento: Trouxeram a
bordo um �timo cantor, Orpheu, cujas melodias eram mais doces que aquelas das
Sereias. Quando Orpheu cantava, quem quereria ouvir as Sereias?

Da mesma forma devemos ver que a paz representa uma m�sica mais doce, uma melodia
c�smica muito superior aos desentendimentos da guerra. De alguma forma devemos
transformar a din�mica mundial da corrida pelo poder e armas nucleares, que ningu�m
pode ganhar, num concurso criativo capaz de dirigir o g�nio do homem para a realiza��o
da paz e prosperidade como realidade para todas as na��es da terra. Em suma, devemos
mudar da corrida armamentista para a corrida da paz. Se tivermos a vontade e
determina��o para montar tal ofensiva de paz, estaremos abrindo as portas, at� ent�o
lacradas, da esperan�a e deixando entrar a luz nos espa�os escuros do pessimismo.

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