Declara��o de Vancouver
Reuniu-se de 10 a 15 de setembro de 1979, em Vancouver, no Canad�,
a Comiss�o Canadense da UNESCO para a discuss�o do tema:

"A Ci�ncia e a Cultura para o S�culo XXI: Um programa de sobreviv�ncia."
1- A humanidade face � sobreviv�ncia.
Nosso planeta � inst�vel: � um motor t�rmico que muda constantemente de
regime. A vida, que apareceu na face da terra h� mais de quatro milh�es de anos,
desenvolveu-se em equil�brio com o meio ambiente, onde as mudan�as repentinas e
imprevis�veis s�o a norma. A descoberta h� mais de dois s�culos, de uma energia
livre armazenada nos combust�veis f�sseis deu � humanidade o poder de dominar a
superf�cie inteira do planeta. Em um lapso de tempo incrivelmente curto, sem
querer e sem pensar, nossa esp�cie tornou-se de longe o mais importante fator de
mudan�as no planeta. As conseq��ncias foram radicais e sem precedentes na
hist�ria da nossa esp�cie:
* A acelera��o do crescimento demogr�fico nos �ltimos anos fez passar de um
milh�o a mais de cinco milh�es de habitantes a popula��o mundial que, atualmente,
dobra num espa�o de 30 a 40 anos;
* A utiliza��o de combust�veis aumentou em propor��es incompar�veis,
provocando uma polui��o em escala mundial assim como modifica��es no clima e
no n�vel dos mares;
* Uma destrui��o que vai se acelerando no habitat das esp�cies vivas mostra um
epis�dio enorme e irrevers�vel de extin��o em massa no seio da biosfera, base do
ecossistema terrestre;
* As despesas com a geniosidade humana consagrada � guerra e � prepara��o da
guerra s�o inimagin�veis;
* Tudo isto foi realizado na cren�a de que os recursos do planeta eram
inesgot�veis, cren�a mantida pelos sistemas pol�ticos e econ�micos, que se
baseiam nas vantagens do aproveitamento em curto prazo, sem levar em conta o
custo real da produ��o.
A humanidade est� diante de uma situa��o em que todo o equil�brio entre nossa
esp�cie e as demais vidas sobre o planeta pode se romper. Paradoxalmente, neste
momento em que estamos atentos � degenera��o da qualidade de vida, o
conhecimento e a ci�ncia est�o preparados para fornecer, por sua vez, a
criatividade humana e a tecnologia necess�rias para as medidas que permitam
remediar a situa��o e a humanidade. S� falta a vontade social e pol�tica.

2- As origens do problema.
Nossas dificuldades atuais t�m origem em certos progressos cient�ficos cuja
ess�ncia era j� conhecida no in�cio do s�culo. Esses projetos que s�o codificados
matematicamente em uma representa��o mec�nica cl�ssica do universo, deram
aos seres humanos um poder sobre a natureza que at� a presente data,
produziram bens materiais de forma crescente e aparentemente sem limites.
Inebriado pela explora��o desse poder a humanidade se inclinou diante de tudo que
favorecia a explora��o m�xima das possibilidades materiais oferecidas por este
poder novo.
Paralelamente, os valores associados �s dimens�es do potencial humano que
tinham por base culturas precedentes foram desprezados. O empobrecimento da
concep��o do homem, devido ao preterimento das outras dimens�es humanas,
corresponde precisamente � concep��o "cient�fica" do universo, que faz dele uma
m�quina onde o homem n�o � nada mais que uma simples engrenagem.
� esta vis�o que o homem tem de si que determina principalmente seus valores;
ela fixa a concep��o do "meu" na aprecia��o do interesse pessoal. O
empobrecimento ideol�gico ligado a esta vis�o do homem como uma engrenagem
de uma m�quina constru�da com o estreitamento dos valores. Entretanto, os
progressos cient�ficos do s�culo mostraram que esta concep��o mecanicista do
universo � indefens�vel sob o ponto de vista estritamente cient�fico. Assim, a base
racional da concep��o mecanicista do homem se encontra invalidada.

� ������� 3- Id�ias de mudan�a.
Na ci�ncia contempor�nea, o antigo modelo r�gido e mecanicista do universo foi
substitu�do por conceitos que mostram um universo formado por uma rela��o
criadora cont�nua, que n�o estabelece rigidamente nenhuma lei mec�nica. O
pr�prio homem � um aspecto desta rede criadora e est� ligado ao universo inteiro
com uma integridade que o antigo esquema mecanicista n�o se deu conta. O "meu"
cessa, ent�o, de ser uma engrenagem submetida ao determinismo de uma m�quina
gigante para se tornar um elo de um conjunto de criaturas livres, intr�nseca e
imediatamente ligadas � totalidade do universo. Dentro desta vis�o nova, os
valores humanos, conseq�entemente se alargaram para se afinar com aqueles que
prevaleceram em culturas do passado. � neste contexto de imagens convergentes
do homem propostas pelo progresso recente da ci�ncia e da cultura que n�s
procuramos os modelos de um futuro que permita ao homem sobreviver com
dignidade em harmonia com seu meio ambiente.
A esp�cie humana ultrapassou seus limites na utiliza��o do mundo exterior e os
limites de sua aptid�o social e cultural em muta��o. A amplia��o das concep��es
cient�fica leva a pensar que o homem poder� reencontrar suas cren�as e os
modelos de experi�ncia espiritual que havia perdido. A situa��o cr�tica na qual a
humanidade se encontra atualmente no planeta apela por vis�es novas que,
enraizadas em culturas diversas, se voltam para o futuro:
* A percep��o de um macrocosmo org�nico que estabelece o ritmo da vida permite
ao homem de se reintegrar ao meio natural e de compreender sua rela��o espa�o-
temporal com toda vida e o mundo f�sico.
* Reconhecer que o ser humano � um aspecto do processo criador que d� forma
ao universo, expande a imagem que o homem tem de si e lhe permite transcender o
ego�smo que � a causa primeira da falta de harmonia entre ele e seus semelhantes,
como entre a humanidade e a natureza.
* Sobrepujando a fragmenta��o da unidade corpo-esp�rito-alma, em conseq��ncia
da prioridade excessiva concedida a um desses aspectos sobre os outros, o homem
poder� descobrir nele mesmo o reflexo do cosmo e de seu princ�pio unificador
supremo.
*Estas id�ias modificaram a concep��o do lugar do homem na natureza e apelam
por uma transforma��o radical dos modelos de desenvolvimento: elimina��o da
pobreza, da ignor�ncia e da mis�ria; a ado��o de novos modelos de aprendizagem,
de novos sistemas educativos e de novas atitudes mentais; a aplica��o de formas
de melhor redistribui��o destinada a garantir a justi�a social; uma nova concep��o
dos modelos de vida, fundada em uma re-educa��o do desperd�cio; um respeito
pela diversidade, tanto biol�gica como socioecon�mica ou cultural, que transcenda
os conceitos caducos de soberania.
A ci�ncia e a tecnologia s�o indispens�veis para atender a esses objetivos, mas
elas n�o poder�o ser bem sucedidas sen�o por uma integra��o da ci�ncia e da
cultura e por uma aproxima��o integrada que vise sobrepujar a fragmenta��o que
provocou a derrocada da comunica��o social.
Se n�s n�o reorientarmos a ci�ncia e a tecnologia em dire��o das necessidades
fundamentais, os progressos da inform�tica (acumula��o de conhecimentos), da
biotecnologia (dep�sito de patentes de formas de vida), de engenharia gen�tica
(cartografia do genoma), ter�o conseq��ncias prejudiciais irrevers�veis no futuro
da vida humana.
N�o resta muito tempo: todo atraso na instaura��o de uma paz eco-cultural
mundial s� far� agravar o custo da sobreviv�ncia. � preciso que reconhe�amos a
realidade de um mundo multireligioso e a necessidade de uma toler�ncia que
permita �s religi�es, quaisquer que sejam as suas diferen�as, de cooperar umas
com as outras. Isto contribuir� para satisfazer as exig�ncias de sobreviv�ncia da
humanidade e da manuten��o dos valores fundamentais imbu�dos de solidariedade
humana, de direitos do homem e da dignidade humana. Este � o patrim�nio comum
da humanidade, nascido de nossa percep��o da significa��o transcendental da
exist�ncia humana e de uma consci�ncia planet�ria nova.

[Traduzido do franc�s, por Edna Cardozo Dias. "Une meme terre, une meme vie".
Francis Dessart. Arbedo, Su��a: ATRA, 1993, pgs. 32 a 35]
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