Empreender...
Por Humberto Maturana e Equipe
A palavra empreender quer dizer iniciar uma realiza��o, iniciar uma empresa. O que a
palavra empreender n�o revela � a inten��o que guia o empreendimento do
empreendedor. As palavras que usamos nem sempre dizem o que dizem�aqueles�que�as
usam.

O que d� sentido e significado ao que dizemos, n�o s�o propriamente as coordena��es de
fazeres conotadas pelas palavras que usamos, mas sim as emo��es que constituem o
espa�o ps�quico relacional, no qual pensamos e realizamos nosso fazer. Mas as palavras
em geral n�o evocam ou revelam a emo��o ou inten��o que nos move a fazer o que
dizemos que faremos.... ainda que haja algumas que palavras que assim o fa�am, como
rapina, por exemplo.

� interessante que freq�entemente falamos ou podemos dizer, que quase sempre falamos,
como se fosse evidente o significado do que dizemos. E esperamos que o outro ou outra
nos entenda. Sem d�vida, nos comportamos como se diss�ssemos o que dizemos, na
confian�a de que os outros ou outras entendam o que dizemos.

Mas isto � sempre assim? � certo que queremos ser compreendidos pelos outros ou
outras? Ou, �s vezes, dizemos o que dizemos na secreta esperan�a, consciente ou
inconsciente, de que o outro n�o nos compreenda?

Sem d�vida, a palavra empreender significa iniciar uma realiza��o. Algu�m empreende um
caminho... um interrogat�rio...uma aventura...uma guerra...um modo de conviver. Algu�m
inicia a tarefa de usar algo..ou empreende a tarefa de abusar de algo?

Acontece que as palavras empreender e inovar n�o assinalam, por si mesmas, a dire��o
para a qual orientamos ou orientaremos nosso empreendimento, ou nossa inova��o. E se
n�o explicitamos essa orienta��o, mostrando a emo��o que nos move, nosso ou nossos
interlocutores n�o poder�o saber, a partir de n�s, a inten��o �ltima de nosso
fazer...ter�o que imagin�-la, para que haja confian�a na honestidade m�tua.

Alguns anos atr�s, quando se colocava grande �nfase na necessidade de formar pessoas
que fossem empreendedoras e inovadoras, um amigo chegou a uma reuni�o na qual me
encontrava, deixando vis�vel seu grande entusiasmo pela sua participa��o na cria��o de
um clube de empreendedores e inovadores. Os participantes da reuni�o, por sua vez,
come�aram a felicit�-lo, e eu permaneci em sil�ncio. Meu amigo, ao notar minha
indiferen�a, perguntou-me o que me passava, e se eu n�o estava de acordo ou n�o me
interessava em formar empreendedores e inovadores. Eu lhe respondi dizendo que eu
preferiria participar da cria��o de um clube de empreendedores conservadores, um clube
de pessoas que querem conservar a honestidade, a �tica, a seriedade nas realiza��es,
nos compartilhamentos, nas participa��es, no respeito por elas mesmas e pelos outros
seres humanos, e pelo mundo natural que torna nossa exist�ncia poss�vel, em todas as
realiza��es que pudessem empreender. Quando terminei de falar, houve sil�ncio.

Eu �s vezes me pergunto, qual o motivo que faz com que empres�rios que declaram, por
exemplo, que tem consci�ncia social, ou que s�o conscientes de que � a comunidade na
qual sua empresa est� imersa que torna poss�vel sua exist�ncia, ou que s�o conscientes
de seus compromissos com a comunidade que os sustentam, rapidamente conduzam as
realiza��es de suas empresas, de modo a causar dano �s mesmas comunidades que dizem
servir. O que acontece? Talvez n�o saibam o que fazem fora do contexto de suas
declara��es. Mentem? Sabem o que fazem , sempre o souberam, mas o negam? � poss�vel
ser honesto em alguns aspectos do viver relacional e n�o em outros? S�o talvez
servidores de outros senhores ou prop�sitos, que s�o para eles mais importantes que o
bem-estar da comunidade que os sust�m e que os torna poss�veis?

A linguagem n�o nos conecta com uma realidade transcendente que seria independente
de nosso fazer. O linguajar constitui um modo de fluir na conviv�ncia, em coordena��es
de coordena��es de fazeres. Nosso viver humano, entretanto, ocorre no fluxo da
linguagem, atrav�s do entrela�amento recursivo com as emo��es, em um fluxo cont�nuo
de conviv�ncia, que entrela�a fazeres e tipos diferentes de condutas relacionais: � o que
chamamos de conversar.

Assim, nada dizemos ou podemos dizer, sem que no fundo se escute uma conversa que
mostra, se n�o na totalidade, ao menos em parte, a natureza da conviv�ncia que
vivemos, e que est� no fundamento de tudo que fazemos, pensamos ou sentimos.

O mundo que vivemos e que criamos no fluxo recursivo de nosso conversar, nas
coordena��es de fazeres e emo��es que constitui o conversar, n�o � bom nem mal em si,
mas pode ser um ou outro, segundo seja o espa�o ps�quico emocional que defina o nosso
conversar.

Assim, podemos gerar uma conviv�ncia no bem-estar material e espiritual se n�o
mentirmos para n�s mesmos,e n�o tivermos a pretens�o de sermos melhores que outros
seres humanos. E somos �ticos neste conviver, porque n�o mentimos. Ou podemos gerar
um conv�vio de mal-estar e mis�ria material e espiritual, se de alguma maneira
acreditarmos que somos melhores que os outros, e que podemos nos apropriamos do que
� deles. Esta � nossa condi��o humana em toda sua beleza: n�o podemos ocultar
totalmente o fundo emocional que guia o que fazemos, mas podemos inventar teorias que
ocultam e justificam este fundo, quando n�o gostamos dele.

Sabemos o que fazemos no contexto relacional: sabemos quando mentimos para n�s
mesmos e quando n�o mentimos, sabemos quando geramos dor nos outros, e quando lhes
abrimos caminho para o bem-estar. E �s vezes escolhemos um, �s vezes outro, sempre
conscientes do que fazemos, e do resultado do que fizemos, a menos que mintamos. E se
nos equivocamos, ao percebermos nosso erro, nos tornamos conscientes do que fazemos
ou faremos dali em diante.

Esta consci�ncia � poss�vel porque os seres humanos somos seres biologicamente
amorosos, e, queiramos ou n�o, a menos que mintamos, e inventemos uma teoria para
justificar a rapina, em �ltima inst�ncia, nossa condi��o amorosa nos levar� a buscar o
bem estar na conviv�ncia. O desej�vel � que este encontro com nosso fundamento
biol�gico amoroso nos aconte�a o quanto antes: N�s criamos o mundo em que vivemos
com nosso viver e conviver.

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