M�todos para Termina��o de Conflitos:
dos Processos Judiciais � Media��o

Prof. Dr. Johan Galtung
Preparado para o Tribunal Superior de Justicia, Puebla, M�xico 27/4/05

Prof. Dr. Johan Galtung,
Professor de Estudos da Paz
Diretor da TRANSCEND: Rede de desenvolvimento da paz
galtung@Transcend.org www.Transcend.org


Em geral, como � que as pessoas terminam (n�o necessariamente resolvendo ou
transformando) os conflitos, sem nenhuma interven��o externa?
Sabemos muito pouco a respeito. Mas, usando o esquema de 5 pontos Transcend, �
poss�vel adivinhar que freq�entemente uma das partes leva a melhor, ou ent�o se retira do
conflito, pondo o assunto de lado e deixando-o azedar secretamente. Para que um dos
lados prevale�a, o apoio de uma estrutura profunda (gera��o, g�nero, ra�a, classe social,
domin�ncia nacional) ou de uma cultura profunda (como por exemplo "sempre fizemos dessa
forma") se faz sempre presente: o desenlace final j� est� escrito nesses dois c�digos
profundos.
A alternativa � trazer o conflito para fora, explicit�-lo. Se o direito de pronunciar-se
estiver � disposi��o de todas as partes e for usado, a igualdade substituir� alguma
estrutura profunda. Assim, com maior igualdade na sociedade em geral, tamb�m haveria
maior verbaliza��o em geral, e isso faria com que muitos chegassem � conclus�o
equivocada de que "nunca houve tanto conflito como agora".
Nesta altura dos acontecimentos, quer negociem ou n�o, a alternativa prov�vel �
retirada ou preval�ncia � o acordo, E o resultado - quer dividam o objeto disputado, ou
partilhem seu uso no espa�o ou no tempo, ou de alguma outra forma - parece estar
profundamente enraizado em muitas culturas, mesmo que os mercadores sejam os mestres.
Mas, sem d�vida, as pessoas (juntas ou isoladas) freq�entemente criam novas realidades
onde todos possam sentir-se em casa. N�o fosse assim, n�o ter�amos tanta mudan�a
material, social e espiritual no mundo. Essas mudan�as s�o monumentos � bem sucedida
transforma��o de conflitos.
Muito provavelmente os maiores mestres da termina��o de conflitos s�o as mulheres
respons�veis pelos micro-sistemas sociais dom�sticos. Elas freq�entemente lidam com
centenas de conflitos por dia nas fronteiras de gera��o e g�nero existentes dentro da
fam�lia, no encontro com outras fam�lias, e no contato com todos que interagem com a
fam�lia - como um Ministro de Rela��es Exteriores e Interiores. O marido que est� no
trabalho sem d�vida encontrar� conflitos, mas a termina��o destes est�, no mais das
vezes, escrita na estrutura e cultura profundas da empresa ou do pa�s.
No entanto, em muitos casos os conflitos (quer tornem-se violentos ou n�o), como
outras feridas, cr�nicas ou agudas, precisam de cuidados externos, ou mesmo uma
interven��o. Por isso temos a pol�cia e varas criminais para as infra��es, advogados e varas
c�veis para disputas, e m�todos menos formais dentro da justi�a, como a arbitragem e a
media��o legal: os dois m�todos intermedi�rios.
A media��o � certamente um m�todo antigo, mas recentemente tem crescido tanto
que chega a constituir uma amea�a � tradi��o jur�dica, e at� mesmo �s profiss�es ligadas �
Justi�a. O descontentamento � ainda maior que os custos. Com maior igualdade social,
mais pessoas poder�o verbalizar aquilo que v�em como seus objetivos leg�timos. Num
conflito t�pico, objetivos leg�timos s�o colocados um contra o outro, e a estrutura legal da
justi�a freq�entemente se mostra por demais limitada. Al�m disso, as decis�es legais
tendem a ser assim�tricas: um est� certo, o outro n�o - o que cria rela��es sociais muito
dif�ceis se as partes tiverem que conviver entre si dali em diante, como no caso de ex-
marido e mulher disputando sobre filhos, ou vizinhos disputando sobre territ�rio.
Mas no caso de um criminoso, que tem objetivos ileg�timos, como infligir dano ou
roubar propriedade e/ou parceria sexual indesejada, tamb�m ver� seu ato criminoso como
algo cercado de objetivos leg�timos. Ele exigir� aten��o para todos os aspectos de sua
situa��o.

M�TODOS DE TERMINA��O DE CONFLITO,
DO PROCESSO JUDICIAL � MEDIA��O:
VIS�O GERAL

M�todosForma��oOrienta��oPapel do ProcessoResultado
Terceiro

Processo
PenalDois partidosPartidoDecidirAdjudication Assim�trico: Culpado
pro et contraou n�o; Senten�a:
castigo

Processo
C�velDois partidosPartidoDecidirAdjudication Assim�trico: Deferido
pro et contraou n�o Decis�o:
Custas

ArbitragemDois partidosPartidoDecidirIdiossincr�ticaAssim�trico: Certo x
errado
Media��o
LegalDois partidosRela��oFacilitarNegocia��o Sim�trico: Acordo
entre as partesaceit�vel,
sustent�vel?

Media��o
Harvard'N' PartidosRela��oMudar de Negocia��o Sim�trico: Acordo
posi��o entre as partesaceit�vel,sustent�vel?
para
interesse

Media��o
Transcend 'N' PartidosRela��oSer parceiro Nova realidade Sim�trico:
de di�logo; atrav�s do Acordo aceit�vel,
objetivos, di�logo criativosustent�vel?
legitimidade;
Transcender


Dois desses m�todos acontecem na esfera do procedimento judicial, dois deles
derivam da tradi��o jur�dica, e dois s�o extra-judiciais, S�o exemplos de resolu��o
alternativa de disputas, "ADR", nos Estados Unidos da Am�rica. Surgem como alternativas
ao sistema jur�dico em parte devido ao custo em tempo e dinheiro, em parte por causa da
crescente insatisfa��o, mais ou menos expl�cita, com o paradigma legal subjacente.
Um dos aspectos do paradigma legal � o bilateralismo, seja entre Postulante versus
Estado ou entre A versus B. A palavra "versus" j� designa a bilateralidade, que �
transportada para a arbitragem e para a media��o legal. Os dois m�todos de media��o,
entretanto, podem ser multilaterais. Sem d�vida esse bilateralismo � uma transposi��o da
solu��o de batalha, duelo ou guerra, tamb�m bilaterais. A corte de justi�a tornou-se o
campo de batalha verbal, Armaged�o.
Igualmente importante, entretanto, � a orienta��o b�sica. No paradigma legal uma
parte est� supostamente certa e a outra errada; o problema � identificar quem est� errado
- se � que algu�m de fato est�. A decis�o poder� ser A, B, ou nenhum dos dois e,
raramente, os dois. Num caso de direito penal no tribunal de justi�a, que � uma parte do
Estado, o tribunal nunca entender� que o Estado est� errado. Sem d�vida esta tradi��o de
rotulagem vem da tradi��o teol�gica de dividir as pessoas entre as que ser�o salvas e
aquelas condenadas � dana��o eterna.
A alternativa � focalizar a rela��o entre as partes, sua intera��o, transa��o,
olhando para esta rela��o em vez de fixar-se nos atores como problemas. Evidentemente,
essas orienta��es n�o s�o mutuamente excludentes. No tri�ngulo de v�rtices A, C1 e C2
que define um conflito, a Atitude/Pressuposto � interna �s partes, o Comportamento
verbal/f�sico � interativo, e a Contradi��o relaciona as partes uma � outra atrav�s de seus
objetivos incompat�veis.

A Atitude, Pressuposto
r
Comportamento C1C2 Contradi��o


Enquanto o processo penal est� orientado para o Comportamento, punindo atos
inaceit�veis, a media��o Transcend est� orientada pela Contradi��o, tentando, acima de
tudo, transcender a incompatibilidade, sem deixar de prestar aten��o � Atitude e ao
Comportamento. Os outros quatro m�todos s�o intermedi�rios mais est�o principalmente
orientados pela Atitude.
Assim, tanto o processo c�vel como a media��o Harvard - e tamb�m nos dois
m�todos intermedi�rios - s�o esfor�os no sentido de fazer as partes mudarem sua Atitude
modificando suas posi��es. A justi�a c�vel pode ser sim�trica no sentido de que convida
ambas as partes a modificarem-se e se aproximarem, ou assim�trica, ao indicar quem vai
perder a causa, o pressuposto sendo "� melhor voc� se modificar". A media��o Harvard
tamb�m � orientada para a Atitude ao promover uma mudan�a da posi��o declarada para
os interesses mais profundos envolvidos na quest�o, formulando novas posi��es que
poder�o ser mais compat�veis ou levar a melhores desenlaces.
Note-se a posi��o intermedi�ria da media��o legal. Ao participar de um processo
judicial o bilateralismo vem como parte do pacote. E, no entanto, h� uma mudan�a de foco
que leva da orienta��o para os atores (certo e errado) em dire��o a uma melhoria no seu
relacionamento, procurando fazer com que seus objetivos tornem-se menos incompat�veis.
Isto pode funcionar, ou n�o. E o resultado depender�, obviamente, n�o apenas da
quest�o sendo discutida, mas tamb�m de como vai ser tratada pelo "terceiro" envolvido
(entre aspas porque o termo pressup�e o bilateralismo).
E aqui temos uma n�tida distin��o entre tradi��o jur�dica orientada para as partes,
onde um juiz ou �rbitro decide que parte est� errada, e a tradi��o de media��o orientada
para a rela��o, onde as partes, mais ou menos sem ajuda, chegam a um acordo. N�o h�
d�vida de que este � um processo mais democr�tico, onde o poder se desloca para baixo,
distanciando-se do seu passado feudal, bastante autorit�rio.
A decis�o do juiz se baseia no processo, que por sua vez se baseia no pro et
contra dicere
. H� um transporte de dualismo, pois o r�u e seu defensor constitu�do s�
devem argumentar a seu favor, e o Estado contra. A natureza intrinsecamente yin/yang de
qualquer processo est� refletida no pro et contra, mas a natureza yin/yang de qualquer
argumento apresentado como 100% verdadeiro, n�o. O juiz deve chegar a uma decis�o
justa, baseado nos fatos (provas) e nas leis (e outras fontes de direito). A senten�a pode
ser contestada com base nesses dois elementos e na forma como est�o combinados. H� o
direito de apela��o, mas a senten�a final � irrevog�vel.
O resultado de um processo de media��o n�o � decidido pelo mediador, mas pelas
partes. Elas � que t�m a palavra final. Um SIM de todas as partes significa aceita��o, um
N�O de uma das partes significa rejei��o. Mas eles tamb�m devem considerar se poder�o
aceitar o acordo em longo prazo, o que significa sustentabilidade.
Uma pequena observa��o sobre o �rbitro. Historicamente ele pode ser uma figura de
transi��o. No caso da arbitragem o autoritarismo da decis�o legal imposta � mantido, mas a
personalidade do �rbitro ganha espa�o enquanto que a estrutura jur�dica perde. Ningu�m
sabe exatamente como ele chega � sua decis�o, por isso � chamada "idiossincr�tica". Seja
como for que ele chega a essa decis�o, ela existe sob a condi��o de aceita��o autom�tica.
Mas isto � ainda mais autorit�rio, pois implica n�o apenas uma submiss�o e f� ilimitadas em
sua sabedoria, mas tamb�m abrir m�o de qualquer apela��o. N�o h� negocia��o entre as
partes, que n�o fazem sen�o apresentar o caso; e o �rbitro decide o m�rito da quest�o da
forma como ele bem entender, e as partes aceitam, o que significa que o conflito acabou -
n�o importando o qu�o inaceit�vel ou insustent�vel.
A media��o legal difere das outras duas abordagens no tocante � semelhan�a com a
estrutura do processo legal, e pelo fato de fazer do juiz um mediador. Como o juiz n�o est�
qualificado para este papel, salvo por algum treinamento extra, inclusive n�o-jur�dico, este
juiz mediador provavelmente cair� na fun��o m�nima do mediador que � a de facilitador. Ou
seja, n�o se pode esperar muito desse processo.
A principal diferen�a entre os m�todos Harvard e Transcend � que o m�todo Harvard
produz desenlaces mais pr�ximos ao status quo, enquanto a abordagem Transcend estimula
uma busca - atrav�s de di�logos entre o mediador e cada uma das partes em separado -
uma nova realidade qualitativamente melhor, como a possibilidade de ter a co-propriedade
do terreno em disputa.
H� diferen�as filos�ficas a considerar aqui. Por exemplo, positivismo versus dial�tica,
e individualismo legal versus coletivismo. O m�todo Transcend opta por uma posi��o
ambos-e em tais dilemas, enquanto que o m�todo Harvard apresenta o selo filos�fico do
ambiente onde est� inserido. O m�todo Harvard pode ser melhor para contradi��es mais
superficiais, e o m�todo Transcend para contradi��es mais profundas.
Como mencionei repetidas vezes, a tabela reflete um processo hist�rico com muitas
dimens�es subjacentes. Em processos hist�ricos dessa natureza normalmente vemos o
decl�nio e queda de uma coisa e a ascens�o de outra. Tudo conduz ao decl�nio da justi�a
punitiva e ao triunfo da justi�a restaurativa, de maior facilita��o, media��o e integra��o.
Esta tradi��o come�ou na Nova Zel�ndia em 1995, espalhando-se rapidamente para
a Austr�lia, Estados Unidos e outros pa�ses ocidentais, e tamb�m para o Terceiro Mundo. �
de l� que ela veio.
Os brancos da Nova Zel�ndia, ou Aotearoa na l�ngua Maori, aprenderam a t�cnica do
povo Maori. Entretanto, ela est� presente em toda a Polin�sia (Hawai'i-Samoa-Tahiti-Rapa
Nui) e sua forma havaiana � provavelmente a mais interessante. � muito diferente da forma
jur�dica e vai muito al�m da media��o, incluindo algum processo contradit�rio e
sentenciamento, e muita reconcilia��o na tentativa de restaurar a comunidade ferida por
atos de viol�ncia.
A estrat�gia �bvia para uma institui��o em decl�nio � a de cooptar aquilo que est�
em ascend�ncia, e a media��o legal pode ser vista nessa luz.
Outra abordagem mais promissora seria os advogados ampliarem seu repert�rio de
pap�is incluindo os de mediador e conciliador.
Imaginem dois advogados cujos clientes fossem marido e mulher no final de um
casamento. Eles preparam suas peti��es para extrair o m�ximo naquilo que provavelmente
se tornar� um processo civil caro e doloroso. Imaginem ainda que os advogados
conversassem por telefone e apresentassem a seus clientes a op��o de uma
media��o/reconcilia��o, ambos sendo treinados nessas t�cnicas. Para preservar o equil�brio,
eles resolvem trabalhar juntos. Estes dois advogados far�o um trabalho melhor do que
fariam um juiz junto com um mediador que desconhece a lei e possibilidades jur�dicas. Eles
tamb�m Transcenderiam o conflito advogado-mediador.

. Veja "Epilogue" em Pax Pacifica, Johan Galtung, UK/US, Pluto/Paradigm,
2005.
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