Nutrindo uma Cultura de Paz
entrevista com Federico Mayor, realizada por S�rgio Tripi e
publicada pela Good News Agency
www.goodnewsagency.org
Antes Diretor Geral da UNESCO, Federico Mayor � hoje Presidente da Fundaci�n Cultura
de Paz
. A Funda��o acaba de completar uma pesquisa mundial que "est� sendo enviada
ao Secret�rio Geral da ONU para ser transmitida � Assembl�ia Geral por ocasi�o de sua
reuni�o em outubro, marcando a metade da D�cada da Cultura de Paz e N�o Viol�ncia
para as Crian�as do Mundo". Essa pesquisa in�dita oferece uma vis�o abrangente sobre o
progresso do movimento global por uma cultura de paz desde sua cria��o em 1999 pela
Resolu��o A/53/243 das Na��es Unidas.

O Relat�rio mostra que "O avan�o da cultura de paz acontece apesar da praticamente
total neglig�ncia por parte dos meios de comunica��o de massa, segundo a maioria dos
relatos vindos de todas as regi�es do mundo. (...) � consenso que os sistemas de troca
de informa��es precisam ser muito ampliados na segunda metade da D�cada. H�
iniciativas importantes em funcionamento, inclusive aquelas anunciadas pela Good News
Agency
, pela Transnational Foundation for Peace and Future Research, pelo Peace
Research Information Unit Bonn
, pela Danish Peace Academy, pelo Education for Peace
Globalnet
, e pela International Coalition for the Decade ...".

1. O ideal de paz evoluiu bastante nos �ltimos trinta anos: come�ando pelo conceito
da impossibilidade de um ganhador numa guerra mundial, claramente expresso pela
Comiss�o Olaf Palme sobre Desarmamento e Seguran�a, at� um conceito
fortemente inclusivo, baseado na unidade e diversidade da sociedade civil atual.
Voc� acredita que os novos valores emergentes indicam um ideal de paz �tico,
concreto e vision�rio, ou um ideal ut�pico de paz?
F. M.: Os novos valores, como adotados pelas Na��es Unidas na Declara��o e
Programa de A��o para a Cultura de Paz e N�o-viol�ncia s�o ideais de paz �ticos,
concretos e vision�rios e, ao mesmo tempo, uma vis�o ut�pica no melhor sentido da
palavra. As grandes mudan�as hist�ricas s�o sempre precedidas por vis�es ut�picas.
Muitas impossibilidades de ontem s�o realidades hoje. Temos sorte de adentrar o
s�culo 21 com as Na��es Unidas desempenhando seu papel para nos oferecer tal
vis�o, especialmente porque a ONU representa uma universalidade que n�o se pode
obter de nenhuma outra forma. A Declara��o e Programa de A��o para a Cultura de
Paz e N�o-viol�ncia � um valioso complemento � Declara��o Universal dos Direitos
Humanos. Tal como a Declara��o dos Direitos Humanos, a ONU n�o pode implementar
uma cultura de paz sozinha, e depende da mobiliza��o de atores Estados e
organiza��es n�o-governamentais. Por isso � importante que a ONU tenha lan�ado
um movimento global pela cultura de paz, reunindo todos esses atores em torno de
uma agenda comum.

2. O elemento chave para operar uma mudan�a inadi�vel � a vontade de partilhar.
No final da d�cada de setenta a Comiss�o Norte-Sul, liderada por Willy Brandt,
mostrou ao mundo que os verdadeiros inimigos do homem - a fome, a doen�a e o
analfabetismo - poderiam ser totalmente vencidos se os pa�ses desenvolvidos
decidissem destinar 0,7% de seu PIB aos pa�ses em desenvolvimento. Hoje, esse
objetivo est� sendo energicamente reformulado. O Sr. acredita que agora as
condi��es s�o mais favor�veis e que seria poss�vel realizar plenamente esses
objetivos num prazo aceit�vel?
F. M.: A fome, a doen�a e o analfabetismo s�o problemas sol�veis, mas somente
atrav�s de reformas pol�ticas e econ�micas. Com muita freq��ncia, a ajuda para o
desenvolvimento tem sido oferecida de forma a aumentar a depend�ncia, e mesmo a
explora��o. Nos �ltimos anos empenhei muita energia em esfor�os para reformas
estruturais de institui��es internacionais nesse sentido. Por exemplo, as quest�es
abordadas no f�rum UBUNTU, realizado em 2004 inclu�am: financiamento das Na��es
Unidas, o processo decis�rio em institui��es internacionais e a liga��o entre a ONU, o
Banco Mundial e Fundo Monet�rio Internacional e a Organiza��o Mundial do Com�rcio.
S�o necess�rias mudan�as no direito internacional e no conceito de soberania
nacional, bem como maior democratiza��o. As pol�ticas econ�micas e comerciais
mundiais precisam ser alinhadas com os direitos humanos e o emprego.

3. A complexidade dos problemas e a escassez de recursos alocados nos fazem
pensar que os compromissos assumidos em Johanesburgo em rela��o aos Objetivos
do Mil�nio para 2015 n�o poder�o ser facilmente alcan�ados pelas institui��es
sozinhas. � luz da pesquisa sobre a cultura de paz, rec�m conclu�da pela funda��o
da qual � presidente, o Sr. acredita que a estrutura de refer�ncia ali expressa indica
que a sociedade civil est� fazendo sua parte adequadamente?
F. M.: Os achados de nossa recente pesquisa sobre as iniciativas da sociedade civil
em prol de uma cultura de paz mostraram que a sociedade civil est� muito mais ativa
do que se pensava. Seus esfor�os s�o tremendamente ignorados pela midia
comercial, bem como subestimados pelos acad�micos e pela pr�pria ONU. N�o h�
d�vidas de que a sociedade pode e ir� fazer ainda mais, mas devemos come�ar por
perceber o que j� est� em andamento. Nossa pesquisa � incompleta e, como se v� do
documento resumido, "Em vista do fracasso dos meios de comunica��o de massa no
sentido de oferecer not�cias sobre a cultura de paz, � consenso geral que os sistemas
de troca de informa��es precisam ser consideravelmente expandidos na segunda
metade da d�cada".

5. Na pesquisa feita pela funda��o, dentre as sugest�es feitas � ONU, inclui-se esta
sobre Desenvolvimento Sustent�vel: "A consecu��o de uma Cultura de Paz (...) s�
pode ser realizada lado a lado com uma significativa diminui��o da pobreza no n�vel
das comunidades de base. Nossa sugest�o, portanto, � que, estando a paz e a
diminui��o da pobreza t�o intimamente ligadas, elas devem ser ambas conduzidas
de maneira inovadora pelo sistema das Na��es Unidas." A seu ver, qual seria esta
forma inovadora e eficaz?
F. M.: A chave � a democratiza��o. O Manifesto da "Campanha Mundial por Reformas
Profundas do Sistema de Institui��es Internacionais" pede uma "governan�a
democr�tica para ajudar a resolver os graves problemas e desafios do mundo atual.
- Erradica��o da pobreza e promo��o de um modelo de desenvolvimento mais
eq�itativo baseado na solidariedade e pleno respeito pela diversidade cultural, natural
e de g�nero.
- Paz e seguran�a mundial, inclusive seguran�a humana e ambiental, baseadas na
justi�a e na liberdade.
- Mecanismos que permitam aos cidad�os do mundo e �s organiza��es da sociedade
civil ter representa��o direta e participar dos processos globais de tomada de
decis�o.
O atingimento dessas metas requer uma ONU mais forte e democr�tica, colocada no
centro de um sistema mais consistente, democr�tico, respons�vel e eficaz de
institui��es internacionais. Mais especificamente, precisamos democratizar a
composi��o e processos decis�rios dos �rg�os das Na��es Unidas para assegurarmo-
nos de que ir�o operar eficaz e democraticamente, e para reformar e integrar todas
as outras organiza��es multilaterais globais (FMI, BM, OIC, etc) a estes �rg�os".

5. Est� cada vez mais evidente que a opini�o p�blica e os jovens constituem os dois
fatores mais importantes sobre os quais se deve trabalhar a fim de operar as
mudan�as necess�rias � difus�o de uma cultura de paz. No "velho continente" sua
pesquisa mostra que "as organiza��es em prol da cultura de paz est�o crescendo
na Europa (...) e
a lideran�a vem da sociedade civil: a educa��o para a cultura de
paz vem sendo sistematicamente introduzida nos sistemas escolares da Fran�a,
Gr�cia, Espanha, e no treinamento de professores na Su�cia". O Sr. acredita que
uma maior evid�ncia da aprova��o da cultura de paz por parte da opini�o p�blica
possa acelerar a compreens�o e o empenho por parte dos jovens?
F. M.: Certamente, a opini�o p�blica � um fator importante, e para isso a m�dia �
fundamental, conforme enfatizamos em rela��o � segunda metade da D�cada
Internacional por uma Cultura de Paz. Mas isso n�o basta, e devemos criar
abordagens espec�ficas para envolver os jovens. Por exemplo, em outubro pr�ximo a
Fundaci�n Cultura de Paz ir� patrocinar duas semanas de Advocacia da Cultura de
Paz por parte dos jovens junto � ONU. Precisamos envolver os jovens de maneira
espec�fica em cada passo de nossos planos.

6. A opini�o p�blica est� saltando para o primeiro plano como o agente que de fato
pode exigir e obter as mudan�as necess�rias para a constru��o de uma s�lida
cultura de paz. Para usar uma analogia cient�fica que me � muito cara, o Sr.
acredita que estejamos chegando perto - como ra�a humana - de formar uma
"massa cr�tica" capaz de produzir as mudan�as necess�rias para expressar uma
cultura de paz?
F. M.: Sim, concordamos em que, em �ltima an�lise, a hist�ria � feita pelo povo.
Gosto de sonhar que o s�culo 21 ser�, afinal, o s�culo dos povos!

7. Em 2001 o segundo F�rum dos Laureados com o Pr�mio Nobel em Roma salientou
que "os modernos meios de comunica��o de massa passam por uma crise sem
precedentes, que os impedem de dar aos povos do planeta um quadro verdadeiro e
correto da situa��o". A pesquisa global realizada pela
Fundaci�n indica que "partilhar
informa��o � algo vital para o desenvolvimento do movimento global (...)
especialmente em vista do fracasso da m�dia em divulgar not�cias da cultura de
paz".
O Sr. acredita que um c�digo �tico para a m�dia, como aquele que a nossa Good
News Agency prop�e, um c�digo que ressalta a responsabilidade da m�dia na
informa��o e equilibrada forma��o da opini�o p�blica, poder� ser recebido pela
m�dia a ponto de acelerar sua disposi��o de considerar not�cias positivas como t�o
dignas de aten��o quanto as m�s not�cias?
F. M.: A liberdade de express�o irrestrita - "livre fluxo de id�ias atrav�s de palavras e
imagem" - anda de m�os dadas com o acesso irrestrito e franqueado a informa��es
equilibradas. A m�dia deve desempenhar um papel no desenvolvimento da consci�ncia
humana. Li o c�digo de �tica da m�dia que voc� preparou e concordo em ser um
signat�rio. Fiquei impressionado com a afirma��o de que deveria haver not�cias
diversificadas espelhando os v�rios elementos da realidade, pois penso que hoje a
m�dia comercial existente em grande parte do mundo atua como um espelho
distorcido. Se nos olharmos atrav�s das imagens nas telas de televis�o, veremos
faces distorcidas pela arrog�ncia, pelo medo e pelo �dio. S�o mostradas m�os
segurando armas e rev�lveres. N�o nos vemos como realmente somos. � como os
espelhos deformantes dos parques de divers�o.

8. Al�m das implica��es �ticas, qual o fator mais importante e urgente a tratar a
fim de estabelecer um terreno prop�cio � constru��o da cultura de paz: a prote��o
e seguran�a atrav�s do combate ao terrorismo, ou a redu��o da dist�ncia
alarmante e crescente entre pa�ses ricos e pobres?
F. M.: Evidentemente, precisamos de democracia participativa, seguran�a f�sica e
alternativas para vencer o terrorismo; mas isto n�o � suficiente. A humanidade tem a
oportunidade de mudar a cultura de guerra e viol�ncia, que tem sido dominante na
maioria das sociedades desde a aurora da civiliza��o, e transform�-la em uma cultura
nova, uma cultura de paz e n�o-viol�ncia. Tal transforma��o mudar� a natureza dos
relacionamentos em todos os aspectos de nossa vida, da fam�lia ao estado, da
comunidade local � comunidade mundial das na��es.

9. Depois da reuni�o do G8 na Esc�cia, em julho, e num mundo que busca reduzir o
grande perigo oferecido pela polui��o, em que medida a demora dos EUA em assinar
o protocolo de Kioto enfraquece o esfor�o global?
F. M.: O G8 ("n�s, os poderosos"), n�o pode substituir as Na��es Unidas ("n�s, os
povos"), pois eles s�o um grupo m�ope e "motivado por lucros". O mundo de hoje
precisa uma urgente mudan�a de tend�ncias, permanentemente preocupada com as
gera��es futuras. � inadmiss�vel que o pa�s l�der n�o tenha apoiado o protocolo de
Kioto nem assinado a Conven��o dos Direitos das Crian�as, especialmente quando foi
principalmente um presidente norte-americano, Franklin D. Roosevelt, quem construiu
o sistema das Na��es Unidas. No entanto, � responsabilidade de cada um de n�s, de
cada organiza��o, de cada pa�s come�ar a transforma��o em dire��o a uma cultura
de paz e n�o-viol�ncia. N�o podemos permitir que um �nico pa�s ou imp�rio dite os
termos de nosso futuro comum.



Tradu��o de T�nia Van Acker, com permiss�o da Good News Agency.
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