Para Fil�sofo Franc�s, Viol�ncia � M�todo Ultrapassado
Entrevista de Jean-Marie Muller publicada no jornal
Folha de S. Paulo em 01/12/2005
FL�VIA MANTOVANI
da Folha de S. Paulo

A n�o-viol�ncia n�o � uma teoria idealista ou fora da realidade. A viol�ncia � que �.
Quem inverte o senso comum � o fil�sofo franc�s Jean-Marie Muller, que pesquisa, h�
mais de 30 anos, a teoria da n�o-viol�ncia. Para ele, � preciso experimentar um novo
caminho para resolver os conflitos humanos. "A viol�ncia d� exemplos em excesso de
fracassos para que n�o tenhamos a intelig�ncia de tentar a n�o-viol�ncia", afirma.

Autor de 27 livros na �rea, Muller coloca em pr�tica o que prega. Em 1970, fez greve de
fome para protestar contra a venda de avi�es Mirage ao governo militar brasileiro. Em
1972, participou da a��o do Batalh�o da Paz, que conseguiu p�r fim aos testes
nucleares a c�u aberto realizados pela Fran�a. Muller � fundador e diretor do Instituto
de Pesquisas sobre a Resolu��o N�o-Violenta de Conflitos, que participa das reuni�es da
defesa nacional francesa. Em S�o Paulo a convite da Associa��o Palas Athena, ele
concedeu a seguinte entrevista � Folha.

Folha- Como educar as crian�as para a n�o-viol�ncia?

Jean-Marie Muller- Antes, gostaria de falar sobre a n�o-viol�ncia na educa��o. Ao
longo da hist�ria, a viol�ncia contra a crian�a foi considerada um meio de educar: pais e
educadores batiam nelas. Hoje, a viol�ncia por parte dos professores � proibida em
muitos pa�ses, mas � permitida nas fam�lias. A experi�ncia e as pesquisas mostram que
crian�as que apanham tornam-se pais violentos. Ao mesmo tempo, a crian�a precisa da
autoridade do adulto e n�o vamos permitir que ela fa�a tudo. � preciso colocar limites e
faz�-la compreender que � do interesse dela respeitar as regras. � o que chamamos de
regra de ouro, que � "n�o fa�a ao outro o que voc� n�o quer que o outro fa�a com
voc�". No fim das contas, � a educa��o do respeito ao outro. Quando acontece o
conflito entre duas crian�as no p�tio do recreio, por exemplo, � preciso que o adulto
intervenha e fa�a o que chamamos de media��o. Nesse caso, trata-se de reunir as duas
para uma conversa.

Folha - Isso vale tamb�m para conflitos entre adultos?

Muller- No essencial, sim. Se podemos fazer com que as crian�as compreendam a regra
de ouro, esperamos que os adultos tamb�m o fa�am. As pessoas devem entender que a
viol�ncia � sempre um fracasso, um drama, um sofrimento que jamais solucionar� os
conflitos humanos. Conflitos s�o naturais, mas � preciso resolv�-los de forma que
tenhamos dois ganhadores, seja no n�vel da vida pessoal, na vida pol�tica em uma
sociedade ou mesmo no n�vel internacional.

Folha - A n�o-viol�ncia � diferente da passividade ou da covardia?

Muller- Gandhi dizia que, se a escolha fosse unicamente entre a viol�ncia e a covardia,
ficaria com a primeira. Para ele, era prefer�vel que os indianos resistissem violentamente
a aceitar a domina��o. Ele afirmava que havia muito mais coragem na n�o-viol�ncia do
que na viol�ncia. Um epis�dio que ilustra bem isso foi o que ocorreu com Rosa Park, a
primeira mulher que lan�ou a resist�ncia dos negros nos EUA. Na �poca, os �nibus
tinham lugares reservados para os brancos. Um dia, ela se sentou em um desses
lugares. Quando um branco pediu que ela se levantasse, ela permaneceu sentada.
Quando o condutor do �nibus pediu o mesmo, ela continuou l�, e n�o se moveu nem
quando os policiais chegaram. Permanecer sentada exigia muita resist�ncia, energia e
coragem. A covardia teria sido levantar-se.

Folha - O uso da viol�ncia n�o � necess�rio nem para se defender de um ataque?

Muller- O homem violento se defende sempre de um ataque. � sempre o outro que
come�ou. No conflito entre israelenses e palestinos, cada lado usa a viol�ncia para se
defender da viol�ncia do outro. Os dois justificam seus assassinatos pelos seus mortos.
� verdade que � preciso se defender. A quest�o � encontrar as estrat�gias n�o
violentas eficazes para isso. No n�vel pessoal, as artes marciais s�o m�todos n�o
violentos de autodefesa. O aikido, por exemplo, permite que um japon�s pequenininho se
defenda de um japon�s enorme que tem uma espada. No caso de Israel e Palestina, �
evidente que a viol�ncia n�o vai resolver o problema. Hoje, eles s�o praticamente
incapazes de encontrar por si pr�prios uma solu��o. � necess�ria uma media��o
internacional. Seria preciso que centenas, milhares de volunt�rios internacionais
formados na resist�ncia n�o violenta de conflitos se dirijam para l� e usem os m�todos
de media��o no interior sociedade civil.

Folha - Os jovens filhos de imigrantes que queimaram carros na Fran�a poderiam ter
usado m�todos n�o violentos de protesto?

Muller- Eu deveria dizer sim, mas isso seria f�cil demais. N�o devemos reescrever a
hist�ria. O que � necess�rio � compreender por que houve essa viol�ncia. Esses jovens
est�o numa situa��o de ruptura social: fracasso na escola, falta de trabalho, fam�lias
desestruturadas, racismo. S�o jovens a quem a palavra nunca foi dada. Para eles, a
viol�ncia n�o � um meio de a��o: � uma forma de express�o, um grito de revolta que
expressa o sofrimento e a falta de esperan�a. E eu diria, contrariamente ao que diz o
presidente da Fran�a, que a primeira coisa que precisamos fazer � compreender, e a
segunda, proibir. N�o s�o os policiais que devem resolver a situa��o. O que � grave �
que n�s esperamos que os carros fossem queimados para cuidarmos dos problemas. O
governo tinha suprimido quase que a totalidade das subven��es para associa��es
sociais, tinha suprimido a pol�cia comunit�ria. Parece que eles v�o restabelecer isso
tudo. Agora eu acredito que, depois dessa explos�o de viol�ncia, seria essencial que
esses jovens pudessem encontrar outros meios de express�o n�o violentos.

Folha - A constru��o de uma civiliza��o n�o violenta � poss�vel?

Muller- N�o vou responder que � imposs�vel e sei que n�o � suficiente responder que
ela � poss�vel. Vou dizer que ela � dif�cil. Isso porque ela n�o vai acontecer
naturalmente. Quando me perguntam se sou otimista ou pessimista, cito o escritor
franc�s George Bernanos, que dizia que o otimista � um imbecil feliz e o pessimista, um
imbecil infeliz. Recuso-me a escolher entre duas formas de imbecilidade. O peso da
heran�a da viol�ncia sobre a sociedade � t�o grande que n�o posso ser otimista. Mas
n�o sou pessimista, porque a viol�ncia n�o � uma fatalidade. Ela � constru�da pelas
m�os dos homens. Nossas m�os podem desconstruir a fatalidade da viol�ncia. Acredito
que h� lugar para uma esperan�a. Nos oito dias que passei em S�o Paulo, encontrei
muitas pessoas dispostas a experimentar a n�o-viol�ncia. Certamente, sairei do Brasil
com mais esperan�a do que quando cheguei aqui.
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